Esse espaço é um laboratório de Teoria Social. Quanto a mim, sou antropólogo e professor na Universidade Federal do Pampa. Tenho graduação e mestrado em Ciências Sociais, licenciatura em Sociologia, especialização em História do Brasil, doutorado e pós doutorado pela UFSM.
segunda-feira, 30 de novembro de 2020
Resposta a Sabrina Fernandes - Tese Onze
sexta-feira, 27 de novembro de 2020
O que são instituições políticas? | Café Bolchevique, com Mauro Iasi
Aos 28:07 do vídeo
O que as crenças cegas nas instituições obscurecem é que por trás dessa ordem democrática, salva do seu caráter tosco e pitoresco, está a perpetuação de uma ordem profundamente anti-democrática".
Procurei transcrever o que pude. Caso alguém possa servir-se disto, aqui está. Peço desculpas por eventuais erros
TAIS BALDON (Nos comentários do vídeo)
" A ilusão inquebrantável de que a democracia seria uma ordem tão perfeita para corrigir desvios, que permitiria pelo seu próprio jogo, que excrescências como Trump e Bolsonaro chegassem ao poder e que seria forte o suficiente para corrigir seus erros permitindo que num novo processo eleitoral isto fosse revertido. Esta ilusão precisa ser analisada de perto, pois é perigosa, pode ser uma armadilha por entregar a ela uma expectativa de mudança ou de resistência. Quem derrotou o golpe na Bolívia foi a resistência da população, em especial dos povos originários e a mudança nos EUA foi o "black lives matter", como catalizador de um expressivo movimento de massas . O fato de terem sido canalizadas para o processo eleitoral, aqui nos importa.
As instituições são a expressão das contradições do movimento do real, ou da práxis humana, que sempre se dá dentro de uma ordem institucional dada - ou como dizia Marx no 18 Brumário, os seres humanos fazem a história MAS não como querem e sim dentro de certas circunstâncias ora, estas circunstâncias em que os seres humanos se encontram, formam o que Sartre chama de um campo prático inerte cuja práxis choca , rompe com isto no momento da fusão da luta. Isto busca como se manter, pq nesta fusão do grupo depois da classe em luta, existem forças que tendem a dissociar o grupo e revertê-lo novamente àquela condição de serialidade , que então luta para se manter. Ao fazê-lo, ele se organiza, distribui tarefas, judicializa disputas, organiza a forma como as divergências podem ou não podem se expressar, escolhe seus bodes expiatórios e decide como julgá-los, eliminá-los ou mantê-los - tudo isto é parte do momento da ORGANIZAÇÃO. Qdo tudo isto dá certo e o grupo não se reverte à dissociação , ele se INSTITUI. Aquilo que chamamos de "Instituição" é um movimento do real num certo momento , onde ele institui a resistência supostamente de numa nova forma. "Supostamente" pq a ação da humanidade pode, ao quebrar o que existe antes, recriá-lo de uma nova forma ou pode, conforme o pensamento revolucionário, romper o existente e criar um NOVO. Mas nem sempre isto acontece pq o ser humano só pode fazer a história com os materiais que estejam a sua disposição, criar o futuro atuando no presente, que traz em si todos os elementos do passado cristalizados numa determinada ordem. Isto é o que chamamos instituição, mas é um momento da práxis. A ordem institucional não tem o poder de definir a forma como as coisas vão se dar mas são o campo onde as contradições se inscrevem , se manifestam, para garantir uma nova forma considerada adequada . O processo de alienação , segundo Sartre, se expressa na medida em que estas instituições se cristalizam. E ao se cristalizar, objetivar, se distanciam das pessoas que as criaram e de suas intenções, ou seja, se burocratizam - é a alienação, é o retorno hostil , o estranhamento, o retorno ao produtor como uma força que o controla ao invés de ser controlada por ele. Ptt, o momento do qual estamos falando das instituições não é o momento em que elas protegem aquele conteúdo transformador que está em movimento, mas é o momento em que estas instituições burocratizadas impedem que o novo surja, elas produzem uma nova serialidade e consolidam uma ordem, elas são na verdade o principal instrumento de um novo campo prático inerte que luta para não se alterar, não o movimento da práxis que leva à transformação, mas luta para impedir isto. E ao fim são varridas nos momentos mais agudos. A eleição é uma fraude, mesmo sem desvio de conduta. A fraude é a fraude da representação, do poder econômico ditando as regras de onde se dão as eleições. Isto já é fraudar aquilo que seria, na substância originária do que seriam as instituições, a "vontade popular". O risco da democracia é o da vontade das maiorias , da "tirania da maioria" segundo G Hamilton - isto seria uma defesa da ordem republicana SOBRE a democrática. Assim, a solução de compromisso do republicanismo federalista é um sistema eleitoral , com pesos e contrapesos, que evite a vitória de uma força popular, seja na constituição de um corpo legislativo, seja na indicação de um presidente da república. Aquilo que se chama de instituição democrática nos EUA , é um sistema para evitar a vitória da maioria (a tirania popular). O colégio eleitoral não é eleito pela população, eles não foram votados para isto. Eles serão indicados pelas casas legislativas dos estados e têm, em princípio, a regra tradicional de votar nos candidatos que ganharam em seus estados. Há registros de apenas aproximadamente 180 votos "infiéis" - ptt , muito raro. Ocorreram várias vezes questionamentos jurídicos na Suprema Corte, sobre a pertinência do sistema que permite que o presidente mais votado não seja eleito. .. A armadilha nisto é acreditar que há uma ordem ética nisto ou a expressão da vontade popular. O que há é uma garantia da permanência das instituições ... O cumprimento da regra é a evitação da ruptura. Não é a vitória das instituições democráticas qdo abaixo do Equador se utiliza o método para reverter um golpe (como na Bolívia agora) mas o fazer valer a regra através de um mecanismo importado de um espaço onde as contradições são outras. Ptt, a "garantia institucional " é a garantia da ordem estabelecida pelos meios da ordem jurídica e política que está dada. A esperança na força das instituições é a esperança do gradualismo , daquilo que acha que os momentos de recuo são meros momentos passageiros que podem ser corrigidos com retomadas da linha da história no caminho que as instâncias democráticas garantem. O que é muito perigoso. Elas resistem às forças de emancipação ."
quinta-feira, 19 de novembro de 2020
O voto é uma ilusão da democracia
Desde as últimas semanas vivemos o que muitos chamam de “a festa da democracia”. O nome é uma remissão ao direito garantido na Constituição brasileira na forma de um dever, o Artigo 14 da referida Carta de 1988. Ali diz que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos. É o único vestígio, em nossa sociedade, de que todos sejam iguais perante a Lei! Apenas uma ilusão.
O Diário da
última segunda-feira noticiava que, dos 21 vereadores eleitos, 10 vão legislar
pela primeira vez, e outros três já exerceram a vereança. Apenas quatro
mulheres! Menos de 20%, menos de um quinto da representação é preenchido pelas
mulheres.
Muita gente
de pele clara e descendentes de famílias tradicionais e de caciques da política
local ou apoiados pelos setores mais reacionários empresariado regional. As
pretas da periferia, nem fazendo o dobro ou o triplo dos votos da elite branca
e masculina, conseguem sua vaga na “casa do povo”. Uma verdadeira mistificação.
Dizem que a
culpa é do quociente eleitoral, e, sim, é verdade. Ele é um modo, um
dispositivo do poder, para o próprio poder constituído reproduzir a si próprio.
Reconduzir reiteradamente ao poder a elite branca e masculina que governa a
cidade desde sempre; mudando nomes, mas não sua lógica interna, alterando a
forma, para manter intocado seu conteúdo.
Nesses
termos, então, cumprimos, no último domingo, o ritual da repetição bienal do
sufrágio. Rito essencialmente alinhado ao Espírito de Tancredi, o notável
personagem obra "Il Gattopardo" (O Leopardo), obra-prima em forma de
romance, postumamente publicado, em 1958, de autoria do italiano Giuseppe
Tomasi di Lampedusa (1896-1957), ao dizer: “É preciso que se mude alguma coisa
para que tudo permaneça exatamente como está”. Mudam-se alguns nomes, para que
o poder continue intocado, nas mãos de quem a sempre pertenceu, mas legitimado
pela ilusão de uma grande “festa”, para a qual, as Ritas e Alices da periferia,
não tem permissão de acesso.
Publicado no Jornal Diário de Santa Maria em 18 de novembro de 2020
https://diariosm.com.br/colunistas/2.4254/a-ilus%C3%A3o-do-voto-1.2278095
terça-feira, 27 de outubro de 2020
Democracia e serviço público
A qualidade do Serviço Público é um dos pilares de uma sociedade verdadeiramente democrática. A transitoriedade dos governos é a expressão da alternância de poder frente à perenidade do Estado. Nesse sentido, a estabilidade do Serviço Público é a garantia de que o Estado e a democracia permanecem fortes frente ao vai-e-vem dos governos, via de regra, inconstantes e suscetíveis às idiossincrasias ideológicas e ao sabor das incertezas do mercado.
No
livro Estatais, Alessandro Octaviani e Irene Nohara explanam um panorama global
em que nações economicamente ricas não prescindem do Estado para seu
desenvolvimento e ação nos mercados. A China possui 150 mil estatais; Os
Estados Unidos possuem 7 mil estatais; a Alemanha, 15 mil empresas públicas; a
Coreia do Sul, trezentas; e o Canadá possui 100 empresas nas mãos do Estado.
A
empresa estatal é a ação do Estado, é o braço empresarial público na produção
de uma sociedade mais igualitária. São investimentos que não visam imediatamente
ao lucro financeiro, mas, antes disso, ao bem-estar social de toda a
coletividade e lá no fim, a riqueza econômica de toda a nação. São
investimentos em infraestrutura, controle de bancos públicos, fomento à
biotecnologia, no setor energético, em transportes, logística, mineração,
telecomunicações, saneamento e muitos outros. Nesse sentido, todo ataque ao
setor público é um ataque à democracia, ao desenvolvimento econômico e uma
defesa de privilégios de grupos privados que aparelham o Estado.
Obviamente
que existem também os privilégios antidemocráticos, são os “intocáveis”,
segundo a última edição do Jornal Extraclasse. O Ministério Público e o Poder Judiciário
concentram as maiores remunerações do serviço público. Poupados da reforma
administrativa, juízes e promotores públicos gozam das maiores regalias salariais,
com direito a auxílios, subsídios e privilégios.
No
Brasil, os empregos públicos representam apenas 12,1% da força de trabalho
ativa. O jornalista Marcelo Menna Barreto lembra que, ao
contrário do discurso de "máquina inchada", a média de servidores do
Brasil é menor que a maioria das nações desenvolvidas, segundo informações da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do Banco
Mundial, ou seja, o funcionalismo público brasileiro é dos menores do mundo.
Por
tudo isso, cabe reafirmar a importância do serviço público para o
desenvolvimento social e econômico da sociedade. As empresas estatais são o
braço empreendedor e empresarial do Estado na construção de uma economia forte
e competitiva. A defesa do serviço público, a despeito dos ataques ideológicos
dos interesses privatistas que querem privilégios para poucos, é uma bandeira ainda
em construção, mas um caminho seguro dos que buscam, como dizia um slogan
militar dos anos 1960, um “Brasil acima de tudo!”
Publicado originalmente no Jornal Diário de Santa Maria
https://diariosm.com.br/colunistas/2.4254/democracia-e-servi%C3%A7o-p%C3%BAblico-1.2270288
segunda-feira, 5 de outubro de 2020
Rezando, queimando e passando a boiada
Nos últimos dias o país tem assistido a
cenas assustadoras de boa parte do seu território ardendo em chamas. Uns,
revoltados com a falta de controle do Governo Federal sobre as áreas
devastadas; outros, justificando que tudo não passa de exagero e alarme da
esquerda que faz oposição ao Governo. Em síntese, o que importa é que depois de
queimadas, essas áreas ampliarão as zonas agricultáveis e para criação de gado.
As queimadas, portanto, possibilitam que se vá passando a boiada.
E por que o Congresso Nacional não age em
relação a isso? Ora, em torno de 250 deputados são eles próprios ruralistas ou
recebem dinheiro (financiamento de campanha) vindos do setor agropecuário. No
Senado, a bancada ruralista soma mais de 30 (eles próprios são proprietários de
terra). O Senado supera a Câmara no que se refere ao valor das propriedades
listadas. O valor médio no Senado é R$ 1,98 milhão, enquanto na Câmara é de R$
570 mil. Nas duas casas, boa parte dos proprietários possui mais de uma
propriedade rural. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) é a maior frente
mista atualmente existente, reunindo quase 50% dos membros de cada casa – 246
deputados e 39 senadores.
Pra que se tenha medida de como o arroz e
a carne, que no Brasil não são alimentos, mas commodities, se valorizaram nos últimos anos, convém lembrar que a
saca de arroz em 2015 valia R$36,00, hoje ela está valendo R$90,00. O quilo do
boi gordo valia em 2015 R$4,50; hoje vale R$10,00. Em números redondos, quem
planta arroz pode colher 150 sacas por hectare (1 safra por ano). Quem engorda
gado pode produzir duas invernadas por ano, sendo uma na “soca” do arroz (a terra
remexida depois de colher o arroz), sendo um animal por hectare, e cada animal
engorda 1,5 kg/dia, por uns três meses.
Para se ter noção do rendimento disso em
Reais, vou usar como exemplo o campus da UFSM, ele tem 1.863 hectares.
Suponhamos que ele seja uma propriedade do agronegócio. Seria uma
“propriedadezinha” minúscula se comparada aos gigantes do setor agropecuário. O
maior proprietário rural do Congresso é o senador Jayme Campos (DEM-MT). Ele
tem participação em propriedades que somam 43,9 mil hectares, todas no Mato
Grosso. Já o senador Heinze, eleito em 2018, ex prefeito de São Borja e formado
em agronomia na UFSM é dono de 1,6 mil hectares. Vou repetir, 1 milhão e 600
mil hectares! Dados colhidos no site De olho nos ruralistas (https://deolhonosruralistas.com.br).
Ou seja, uma área do tamanho do Campus da
UFSM, minúscula se comparada com as propriedades dos senadores e deputados e
seus financiadores), tira por ano 25 milhões de reais se plantar só arroz; 2
milhões e meio de reais a mais se combinar a lavoura com gado de invernar (se
for gado de cria, são outros valores). Esses são os caras que representam a
sociedade brasileira no Congresso e sustentam o Governo. É claro que eles não
vão interromper as queimadas, pois eles lucram muito com elas; nem o governo,
que lhes protege. Nunca tudo esteve tão bem!
Nesses termos, podemos perceber que se
qualquer pequeno ruralista está nadando em dinheiro, imagina os tantos “Jaymes
Campos” e os “Luis Carlos Heinzes” da vida! Não tenhamos ilusão, tanto faz, pra
quem vende a saca de arroz no mercado internacional a quase 100 reais e o boi
gordo a quase dois dólares o quilo, se caminhamos pra uma teocracia evangélica fundamentalista.
Eles continuarão trocando de Hilux todo ano e rezando pro único deus que lhes
importa, o deus mercado. O fim do estado laico também não lhes assusta, pois
sempre estiveram e sempre estarão acima da Lei.
Diante disso, podemos constatar que a
barbárie está só começando; por enquanto, o Brasil segue rezando, queimando e
passando a boiada.
Publicado no Jornal Diário de Santa Maria
23 Setembro 2020 15:33:00
As Instituições estão funcionando?
No atual momento da sociedade
brasileira, muito se tem discutido se as Instituições estão funcionando no
sentido de garantir a democracia ou se estão capitulando frente a uma investida
contra as garantias democráticas. Nessa discussão, encontrei um interlocutor
que garante que elas estão sim funcionando plenamente. Embora o ataque a elas
seja real, isso o interlocutor reconhece, a força das instituições tem sido
justamente a garantia de continuarmos vivendo numa democracia.
Meu velho e querido interlocutor
tem a impressão de elas estarem funcionando porque ele não é uma das mais de 10
mil mortes pela covid-19; porque ele não é profissional da saúde que trabalha
sem EPI, porque sua avó ou neta não mora num acampamento do MST atacado pelo
governo mineiro; porque não é professor da escola básica obrigado à
precariedade do ensino remoto ou ao temerário retorno da voltas às aulas
presenciais; porque seu filho ou filha não é balconista no setor comerciário
severamente exposto ao contágio, porque não ficou preso sem provas por 580
dias, porque não foi seu neto menino que morreu sem ter recebido de volta o
tablet tomado por um juiz parcial e corrupto; porque não depende do auxílio
emergencial para se alimentar, porque não foi condenado por ser “integrante de
grupo criminoso em razão de sua raça”.
De onde meu renomado interlocutor
vê o mundo as Instituições parecem estar funcionando. Falo “parecem” à luz da
história, em outros tempos as sociedades demoraram em perceber a corrosão das
Instituições democráticas, e, quando perceberam já era tarde demais! A Itália
levou 5 anos para imergir no fascismo; a Alemanha mergulhou nele em apenas 5
meses... Isso porque a crise nos anos 30 era mais aguda. Hoje, estamos imersos
numa aguda crise humanitária, econômica e política. A profundeza do nosso
abismo ditará o ritmo que nos levará ao fascismo aberto.
As Instituições pararam de
funcionar desde muito tempo! Pontualmente, quando um deputado do “baixo clero”
elogiou um torturador, facínora e abjeto, e não saiu daquela Casa preso. As Instituições
hoje apenas reagem. O que meu querido interlocutor chama de funcionamento pleno
das Instituições democráticas, em verdade, não se trata da ação delas cumprindo
suas prerrogativas, de suas atribuições (justiça, saúde, educação, segurança),
o que elas fazem é política! E o fazem em favor daqueles que as aparelharam ao
seu favor e benefício. Assim, do ponto de vista da democracia, elas sobrevivem
artificialmente, como se estivessem sufocadas por uma pandemia sem controle.
Da mesma forma que as vítimas
arrebatadas pela Covid-19, as Instituições estão agonizando apenas à espera de
um desfecho final. Negar isso não se aproxima da postura de um frio e lúcido
analista como é meu interlocutor; pelo contrário, aproxima-se muito mais do
negacionismo e do obscurantismo típicos dos que vêem nesse atual governo
brasileiro, alguma possibilidade de futuro. Talvez nossa democracia não resista
à Pandemia, e morra sufocada sem perceber que respirava apenas por aparelhos!
Publicado no Jornal Diário de Santa Maria
19 Agosto 2020 14:15:00
Os 100 anos de Florestan
Num 22 de julho, há exatos cem
anos, nascia o filho de Dona Maria Fernandes, uma portuguesa imigrada para o
Brasil aos 13 anos com o propósito de trabalhar nas lavouras cafeeiras do
interior paulista. Depois de um tempo na dura vida rural migra para a Capital e
emprega-se como doméstica em uma casa da classe média do Brás, ali engravida de
outro empregado da casa. Para esconder a gravidez, muda de emprego. É nesse
momento que nasce o pequeno Florestan.
O nome do motorista alemão que
trabalhava na mesma casa em que ela, e por quem cultivou uma especial amizade,
serviu de inspiração para o nome do próprio filho. A escolha da empregada
desagradou a patroa, que era madrinha do menino. Para a patroa o nome Florestan
seria mais adequado para gente de classe social mais elevada. Então passa a
chamá-lo de Vicente. Assim foi chamado pela patroa o filho de Maria Fernandes.
A família rica, da pequena burguesia paulistana, não admitiu que o filho da
empregada possuísse um nome tão nobre, o mesmo de um nobre espanhol, personagem
de "Fidelio" a única ópera escrita por Ludwig van Beethoven.
O filho de dona Maria,
analfabeta, não conheceu o pai, ela foi mãe solo. Seu filho trabalhou desde os
seis anos, foi engraxate e conheceu na própria carne o preconceito contra os
pobres, a discriminação e o "ódio de classe". A história de
Florestan, é a síntese da história de muitos "vicentes" que grassam
pelo cotidiano ódio de classe brasileiro. Se Beethoven criou Fidelio, Florestan
Fernandes construiu as bases da Revolução Brasileira.
Hoje comemoramos o centenário
do seu nascimento, é um dos mais importantes intelectuais brasileiros! Sua
teoria social denunciou que a desagregação do regime escravocrata abandonou os
libertos à própria sorte, relegando-os às mazelas sociais mais degradantes. A
história de sua mãe, e sua própria história, reverberaram profundamente na sua
produção intelectual. O menino pobre que se transformou no maior sociólogo
brasileiro é o resultado do próprio país que procurou compreender e explicar.
Uma nação racista, excludente, misógina e muito desigual.
Publicado no Jornal Diário de Santa Maria no dia
22 Julho 2020 14:00:00
Legítima defesa imaginária
Na noite da última segunda-feira (22) o inquérito da Polícia Civil sobre a morte do engenheiro Gustavo dos Santos Amaral, em uma barreira da Brigada Militar em Marau, no norte gaúcho, em abril deste ano, inocentou o brigadiano que atirou no jovem de 28 anos. O delegado Norberto dos Santos Rodrigues entendeu que o policial confundiu o celular que o rapaz segurava, com uma arma. Por isso, para o responsável pela investigação, o que aconteceu naquele momento foi uma “legítima defesa imaginária”, sem nenhum indício de crime. Para o delegado houve um erro, uma série de coincidências infelizes, “uma tragédia, e ponto” aliado ao comportamento da vítima, que estava em pânico.
Procurei no Google uma definição do que fosse a tal “legítima defesa
imaginária”: descobri que ela é também chamada de “legítima defesa putativa”, e
remete ao fato de o autor imaginar estar em estado de legítima defesa, ao se
defender de agressão inexistente. Então tudo fez sentido! O imaginário não se
constrói no vazio, imaginamos com base nas vivências que temos, nas referências
imagéticas que guardamos na memória, construídas na materialidade da sociedade
em que vivemos.
A conclusão sobre a investigação desse crime revela todos os elementos
do que conhecemos como “racismo estrutural”, aquele racismo que não se nota
explicitamente, e por isso se passa desapercebido, que está nos interstícios da
convivência, que é chamado de outros nomes, nunca de racismo, mas é preciso
denunciar: é racismo em estado bruto!
Quando um delegado considera um crime de racismo (que é inafiançável)
como injúria racial (com pena mais branda), isso é racismo! Quando chamamos de
“mi-mi-mi” as reivindicações de pessoas cujos antepassados foram sequestrados
em um lado do globo e levados para outro lado e obrigados a trabalhar por mais
de 300 anos sem receber salário, isso é racismo! Quando um delegado branco,
conclui que um policial branco atira em um homem negro segurando um celular por
imaginar que ele está armado e representa “perigo”, isso é racismo!
Na conclusão do inquérito está condensada toda estrutura da sociedade
brasileira. Desigual, violenta, escravocrata e extremamente injusta. O indício
de crime é flagrante, o que o delegado considera “erro” e “coincidência
infeliz”, nada mais que “uma tragédia”, é a morte de mais um trabalhador que
morreu pela razão específica de que era preto, uma pessoa a mais na longa
história do genocídio negro brasileiro. Se, “vidas negras importam”, de fato, a
conclusão do inquérito da Polícia Civil deve ser denunciada como evidência
concreta de racismo estrutural, pois sequer imaginamos a sua perversidade!
Publicado no dia
25 Junho 2020 14:28:00
https://diariosm.com.br/colunistas/2.4254/leg%C3%ADtima-defesa-imagin%C3%A1ria-1.2238075
domingo, 19 de julho de 2020
MARX - DURKHEIM - WEBER - Diferenças
Professor José Paulo Netto explica as diferenças metodológicas fundamentais entre os três principais clássicos da Teoria Social Contemporânea
sexta-feira, 10 de julho de 2020
Diferença entre CAPITAL e CAPITALISMO
Breve vídeo explicando a diferença entre CAPITALISMO e CAPITAL
A crise estrutural do capital. István Mészáros. São Paulo: Boitempo, 2009
sexta-feira, 29 de maio de 2020
A fábula da quarentena
A fábula narra que houve uma séria disputa entre o cavalo e o javali; então, o cavalo foi a um caçador e pediu ajuda para se vingar. O caçador concordou mas disse: "Se deseja derrotar o javali, você deve permitir que eu ponha esta peça de ferro entre as suas mandíbulas, para que possa guiá-lo com estas rédeas, e coloque esta sela nas suas costas, para que possa me manter firme enquanto seguimos o inimigo." O cavalo aceitou as condições e o caçador logo o selou e bridou. Assim, com a ajuda do caçador, o cavalo logo venceu o javali, e então disse: "Agora, desça e retire essas coisas da minha boca e das minhas costas". "Não tão rápido, amigo", disse o caçador. "E o tenho sob minhas rédeas e esporas, e por enquanto prefiro mantê-lo assim".
Ela é o espelho da nossa realidade. Para retirar o Partido dos Trabalhadores do Poder (o Javali), a Lava Lato e a nova direita (o Cavalo) se uniram ao bolsonarismo (o Caçador). Para a nova direita vencer a eleição de 2018, foi preciso que Sérgio Moro prendesse Lula quando ele estava em primeiro lugar em todas as pesquisas e ganharia as eleições em primeiro turno. Era também necessário um candidato que, se vencesse, aceitasse trazer essa nova direita para dentro do poder. Foi o que aconteceu.
Depois de vencer o Pleito, Moro recebe como recompensa pela colaboração em vencer o Javali, o cargo de super Ministro da Justiça e da Segurança Pública. Em troca Moro se comprometia em blindar seu chefe, seu filhos e aliados, de investigações da Polícia Federal e do Ministério Público em todas as instâncias e de todas as acusações.
Sem a aliança entre Moro, a Lava Jato e a nova direita com Bolsonaro, jamais o Cavalo e o Caçador teriam vencido o Javali. E essa aliança, como na Fábula, durou por um certo tempo. Agora, chegou o momento em que o Cavalo, já satisfeito com a ajuda do Caçador, pediu para que ele parasse de tutelá-lo, de dominá-lo. Moro não mais aceitou sujeitar-se ao bolsonarismo, com seus ministros terraplanistas, seu séquito militar e suas suspeitas de envolvimento com grupos milicianos. Moro demitiu-se, o Cavalo retirou o bridão.
A quarentena, que permitiu o tempo livre para ler Esopo, não deteve o desenrolar da História. Há poucos dias o Cavalo retirou de suas costas o Caçador e livrou-se de suas rédeas e de sua sela. A nova direita não precisa mais de Bolsonaro. Acontece que no mundo real, ao contrário da fábula, o Javali não está morto; e ameaça como um fantasma o cérebro e o coração dos vivos. Aos que sobreviverem ao coronavírus será permitido assistir a realidade superar a ficção. Fique em casa, lave as mãos. Será fabuloso!
Publicado no Jornal Diário de Santa Maria no dia 29 de abril de 2020
https://diariosm.com.br/colunistas/2.4254/a-f%C3%A1bula-da-quarentena-1.2222284
Anti-intelectualismo
quinta-feira, 28 de maio de 2020
quarta-feira, 27 de maio de 2020
domingo, 24 de maio de 2020
sábado, 23 de maio de 2020
quinta-feira, 21 de maio de 2020
quarta-feira, 20 de maio de 2020
terça-feira, 19 de maio de 2020
domingo, 17 de maio de 2020
sexta-feira, 15 de maio de 2020
quarta-feira, 13 de maio de 2020
terça-feira, 10 de março de 2020
Nito Padilha canta Jayme Caetano Braun
Percebendo meu interesse pela música regional ele me convidou para assistir ao lançamento de um LP para o qual ele tinha produzido os arranjos, em que os poemas e payadas do Jayme Caetano Braun
eram musicados e interpretados pelo Nito Padilha
Sempre gostei muito daquele disco. Hoje procurando pelas músicas no youtube, não encontrei nada, então resolvi digitalizar e disponibilizar a duas que eu mais gosto.
Ficam aqui as imagens do LP autografado (isso era a selfie da época....)
Pitangas & Sabiás
Música de Dorotéu Fagundes
EU SEI QUE UM DIA HEI DE VOTAR ÀQUELE RIO
NA PRIMAVERA DAS PITANGAS E SABIÁS
PARA FISGAR AQUELE PEIXE QUE FUGIU
QUANDO A MAROMBA SE PARTIU
LEVANDO UM SONHO DE PIÁ
EU SEI QUE UM DIA VOLTAREI A MERGULHAR
NAS ÁGUAS CLARAS DO MEU DOCE IBICUÍ
E LÁ DO FUNDO VOU TRAZER PRA TE MOSTRAR
AQUELE BRILHO NO OLHAR
QUE SE APAGOU QUANDO PARTI
ANDEI SEGUINDO PLANOS
QUE LÁBIOS CIGANOS
FIZERAM PRA MIM
ANDEI COLHENDO ENGANOS
NO CAMINHO INSANO
DE UM ANDAR SEM FIM
AGORA QUERO RETORNAR AO PONTO DE ONDE PARTI
MAS TUAS ÁGUAS JÁ NÃO SÃO TÃO CLARAS NEM SOU MAIS GURI
In: Clave de Lua e outras letras, de Nilo Bairros de Brum, p. 199
Prefácio - JAYME CAETANO BRAUN - 1990
E no LP "Missões: passado, presente e futuro", de 1990
quinta-feira, 5 de março de 2020
Estação Primeira de Nazaré
https://diariosm.com.br/colunistas/2.4254/esta%C3%A7%C3%A3o-primeira-de-nazar%C3%A9-1.2199592?fbclid=IwAR1t_bLVeTJLLS9q76LF3RTEYmBPceivo8yLOjzvl5Q0g3ToxaUKqH2hYgo#.XjuAbIYNkbg.facebook
O veneno está na mesa
https://diariosm.com.br/colunistas/2.4254/o-veneno-est%C3%A1-na-mesa-1.2206791
sábado, 4 de janeiro de 2020
Sociedade do Algoritmo
https://diariosm.com.br/colunistas/2.4254/sociedade-do-algoritmo-1.2192378