Nos últimos dias o país tem assistido a
cenas assustadoras de boa parte do seu território ardendo em chamas. Uns,
revoltados com a falta de controle do Governo Federal sobre as áreas
devastadas; outros, justificando que tudo não passa de exagero e alarme da
esquerda que faz oposição ao Governo. Em síntese, o que importa é que depois de
queimadas, essas áreas ampliarão as zonas agricultáveis e para criação de gado.
As queimadas, portanto, possibilitam que se vá passando a boiada.
E por que o Congresso Nacional não age em
relação a isso? Ora, em torno de 250 deputados são eles próprios ruralistas ou
recebem dinheiro (financiamento de campanha) vindos do setor agropecuário. No
Senado, a bancada ruralista soma mais de 30 (eles próprios são proprietários de
terra). O Senado supera a Câmara no que se refere ao valor das propriedades
listadas. O valor médio no Senado é R$ 1,98 milhão, enquanto na Câmara é de R$
570 mil. Nas duas casas, boa parte dos proprietários possui mais de uma
propriedade rural. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) é a maior frente
mista atualmente existente, reunindo quase 50% dos membros de cada casa – 246
deputados e 39 senadores.
Pra que se tenha medida de como o arroz e
a carne, que no Brasil não são alimentos, mas commodities, se valorizaram nos últimos anos, convém lembrar que a
saca de arroz em 2015 valia R$36,00, hoje ela está valendo R$90,00. O quilo do
boi gordo valia em 2015 R$4,50; hoje vale R$10,00. Em números redondos, quem
planta arroz pode colher 150 sacas por hectare (1 safra por ano). Quem engorda
gado pode produzir duas invernadas por ano, sendo uma na “soca” do arroz (a terra
remexida depois de colher o arroz), sendo um animal por hectare, e cada animal
engorda 1,5 kg/dia, por uns três meses.
Para se ter noção do rendimento disso em
Reais, vou usar como exemplo o campus da UFSM, ele tem 1.863 hectares.
Suponhamos que ele seja uma propriedade do agronegócio. Seria uma
“propriedadezinha” minúscula se comparada aos gigantes do setor agropecuário. O
maior proprietário rural do Congresso é o senador Jayme Campos (DEM-MT). Ele
tem participação em propriedades que somam 43,9 mil hectares, todas no Mato
Grosso. Já o senador Heinze, eleito em 2018, ex prefeito de São Borja e formado
em agronomia na UFSM é dono de 1,6 mil hectares. Vou repetir, 1 milhão e 600
mil hectares! Dados colhidos no site De olho nos ruralistas (https://deolhonosruralistas.com.br).
Ou seja, uma área do tamanho do Campus da
UFSM, minúscula se comparada com as propriedades dos senadores e deputados e
seus financiadores), tira por ano 25 milhões de reais se plantar só arroz; 2
milhões e meio de reais a mais se combinar a lavoura com gado de invernar (se
for gado de cria, são outros valores). Esses são os caras que representam a
sociedade brasileira no Congresso e sustentam o Governo. É claro que eles não
vão interromper as queimadas, pois eles lucram muito com elas; nem o governo,
que lhes protege. Nunca tudo esteve tão bem!
Nesses termos, podemos perceber que se
qualquer pequeno ruralista está nadando em dinheiro, imagina os tantos “Jaymes
Campos” e os “Luis Carlos Heinzes” da vida! Não tenhamos ilusão, tanto faz, pra
quem vende a saca de arroz no mercado internacional a quase 100 reais e o boi
gordo a quase dois dólares o quilo, se caminhamos pra uma teocracia evangélica fundamentalista.
Eles continuarão trocando de Hilux todo ano e rezando pro único deus que lhes
importa, o deus mercado. O fim do estado laico também não lhes assusta, pois
sempre estiveram e sempre estarão acima da Lei.
Diante disso, podemos constatar que a
barbárie está só começando; por enquanto, o Brasil segue rezando, queimando e
passando a boiada.
Publicado no Jornal Diário de Santa Maria
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