sexta-feira, 29 de abril de 2011

Quadro abstrato de resumo dos clássicos da Sociologia: Marx, Durkheim & Weber

A ordem cronológica apresenta Marx como o primeiro, cronologicamente e intelectualmente, e Durkheim e Weber posteriormente. Porém, a ambição de criar uma nova ciência da sociedade, e compreender o mundo através dela, só é encontrada em Durkheim (através da comparação sistemática dos fatos sociais); e em Weber (através da comparação compreensiva das ações sociais individuais); respectivamente. Marx, por sua vez, não foi um sociólogo, como foram os dois últimos; mas um pensador social preocupado sim em compreender e interpretar o seu tempo e seu espaço, mas, sobretudo, transformá-lo. Pode-se afirmar que a preocupação de Durkheim e Weber era, em boa medida, de ordem intelectual e acadêmica, tinham como meta de suas obras a constituição de um campo sociológico como esfera do conhecimento científico, enquanto que a de Marx, era muito mais, com a práxis, com a transformação social.

A Sociologia é uma ciência profundamente envolvida com a sociedade moderna. A investigação sociológica constitui um dos meios pelo qual a modernidade tomou consciência de si mesma. Por essa razão, a Sociologia pode ser considerada como uma ciência social cujo objeto de estudo é a sociedade moderna. Na tentativa de apresentar algumas explicações para a emergente modernidade, e a efervescente conjuntura social, política e cultural por que passava a sociedade européia, Marx, Durkheim e Weber compuseram obras clássicas. Dessas obras pode-se retira objetos e métodos de estudo, bem como modelos para interpretação da realidade, preocupações teórico epistemológicas dos autores clássicos.
Com base nisso, e ciente de todas as limitações que as informações de um quadro abstrato resumido pode apresentar, pode-se condensar brevemente assim:


Pela ordem, estão resumidos no quadro abaixo:
  • Objeto de estudo
  • Métodos
  • Posições epistemológicas
  • Objetivos teórico-metodológicos
  • Expectativas de mundo
  • Preocupações/interesses sociais/políticos
  • Modelos de interpretação e compreensão
  • Algumas obras pontuais
  • Definição de Clássicos (segundo Norberto Bobbio)
DURKHEIM
WEBER
MARX
Fato Social
ü  Coercitivo
ü  Exterior
ü  Geral

Função social: cada fato social cumpre uma função social.
Ação social: Conduta humana dotada de sentido. Racional X ñ racional
ü  Racional:
fins: objetivo previamente definido (mercado financeiro)
valores: fidelidade a valores e princípios (honestidade/religião)
ü  Tradicional: ancestralidade/ antigüidade/ hábitos/costumes
ü  Afetiva: paixões e idiossincrasias, ciúme/inveja
Relação Social: reciprocamente orientada

Luta de classes
Produção social/material
Infraestrutura/Superestrutura
Comparativo
Abordagem empirista naturalista da realidade social
Funcionalista
Holismo metodológico (estruturalismo)
ü  Social determina o individual
ü  Ênfase no coletivo
Unidade ciências naturais/sociais
Comparativo/Compreensivo
Interpretação/Hermenêutica
ü  das condutas individuais
ü  das condutas sociais
Individualismo metodológico (subjetivismo)
ü  Sujeito é responsável pela construção do conhecimento
Dualismo ciências naturais/sociais
Materialismo
Dialético
Materialismo histórico
ü  Determinismo econômico
Holismo metodológico (estruturalismo)
ü  Social determina o individual
ü  As estruturas e não os indivíduos explicam os fenômenos sociais
Princípios positivistas
Objetividade
Neutralidade
Imparcialidade

Ciência valorativa
Neutralidade axiológica
Objetividade:
ü  Sistematização (dos resultados)
ü  Garantida pela reflexão
ü  Incorporação das subjetividades
Especificidade histórica

Práxis: a objetividade se dá pela ação crítica/ na prática
Ciência: propõe o que pode, mas não o deva ser feito
Interpretação para a ação
Vida material condiciona vida social/política e intelectual

Explicar/descrever/classificar
Compreender/interpretar
Explicar/Compreender/Transformar
Otimista
Ênfase na coesão e na harmonia social

Pessimista
Crença nas lideranças carismáticas

Otimista
Revolução socialista
÷ W social (diferenciação social)
ü  Anomia: afrouxamento de laços sociais
ü  Egoísmo
ü  Religião
Racionalização
ü  Burocracia: “jaula de ferro”
Perda de sentido
Perda de liberdade
Religião
ü  Ética calvinista (ascética) e o sucesso do capitalismo nos EUA
Modo de produção capitalista
ü  Exploração
ü  Alienação
Representação proporcionada pelo liberalismo
Estado representa a classe dominante
Solidariedade social:
ü  Mecânica: sociedade pré capitalistas
ü  Orgânica: sociedade capitalista/industrial
Suicídio:
ü  Altruísta: forte identificação com a coletividade (anulação da individualidade)
ü  Egoísta: desintegração indivíduo/instituições: individualismo, depressão/ desamparo/melancolia
ü  Anômico: sociedades modernas/desregramento social
ü  Fatalista: excesso de regulamentação moral sobre o indivíduo
Tipo ideal
ü  Construção teórica abstrata
ü  Instrumento de análise científica
ü  Conduz o pesquisador numa realidade complexa
Burocracia
Relações de poder
Dominação: (tipos puros)
ü  Legal: (racional)
Fonte do poder (autoridade) é a lei
ü  Carismático: (afetiva)
Caráter sacro/heróico/líder (sem vínculos pré determinados) ñ burocrático
ü  Tradicional: ancestralidade/ “desde sempre”
Mais valia
ü  Absoluta:
aumento da jornada de W
Relativa: mecanização/tecnologia
Classes sociais;
ü  Burguesia: dona dos meios de produção
ü  Proletariado: despossuídos/ vendem sua força de trabalho
MP = fp + rp
fp: homem/ técnica/ instrumentos
rp: sistematização das forças produtivas
Ø  A divisão do trabalho social (1893)
Ø  As regras do método sociológico (1895)
Ø  O suicídio (1897)
Ø  Formas elementares da vida religiosa (1912)
Ø  A ética protestante e o espírito do capitalismo (1904/05)
Ø  A objetividade do conhecimento nas ciências políticas e sociais (1904)
Ø  A ciência como vocação (1917)
Ø  A política como vocação (1917)
Ø  Ideologia Alemã (1846)
Ø  Manifesto do Partido Comunista (1848)
Ø  O 18 brumário de Luis Bonaparte (1852)
Ø  O Capital (1867)
Ø  Intérprete único de seu tempo. Seja considerado intérprete autêntico e único de seu próprio tempo, cuja obra seja utilizada como instrumento indispensável para compreendê-lo.
Ø  Sempre atual. Seja sempre atual, de modo que cada época, ou mesmo cada geração, sinta a necessidade de relê-lo e, relendo-o, de reinterpretá-lo.
Ø  Teorias modelo p/ compreensão da realidade. Tenha construído teorias-modelo das quais nos servimos continuamente para compreender a realidade, até mesmo uma realidade diferente daquela a partir da qual as tenha derivado e à qual as tenha aplicado, e que se tornaram, ao longo dos anos, verdadeiras e próprias categorias mentais.

Referências:

ARAÚJO, Silvia Maria de. BRIDI, Maria Aparecida. MOTIM, Benilde Lenzi. Sociologia: um olhar crítico. São Paulo: Contexto, 2009.
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. Coleção tópicos. 6ª Ed. São Paulo: Martins Fontes. 2003
BINS, Milton. Introdução à Sociologia Geral. Porto Alegre: Editora Mundo Jovem. 4ª edição, 1985.
BOTTOMORE, Tom. Introdução à Sociologia. 9a. ed. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1987.
BOTTOMORE, Tom; NISBET, Robert (orgs.). História da Análise Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.
CASTRO, Ana M.; DIAS, Edmundo (orgs.). Introdução ao pensamento sociológico: coletânea de textos de Durkheim, Weber, Marx e Parsons. 9.ª ed. São Paulo: Moraes, 1992.
COHN, Gabriel. Para Ler os Clássicos. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Ed., 1977.
COHN, Gabriel. Weber: sociologia. Coleção Grandes Cientistas Sociais. Nº 13. Editora Ática. São Paulo: 1999.
COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 2a. ed. São Paulo: Moderna, 2002.
GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4°ed. Artmed. Porto Alegre: 2005.
IANNI, Octavio. (org.) Marx: sociologia. Coleção grandes cientistas sociais. Nº 10. 2ª Ed. São Paulo: Ática, 1980.
MILLS, Charles Wright. A Imaginação Sociológica. Zahar Editores. Rio de Janeiro: 1975.
OLIVEIRA, Luiz Fernandes de. COSTA, Ricardo Cesar Rocha da Costa. Sociologia para jovens do século XXI. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio. 2007.
QUINTANEIRO, Tania et al.. Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber, 3a. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 4ª edição. São Paulo: Editora Cortez, 2006.
RODRIGUES. José Albertino. Durkheim: sociologia. Nº 1. Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Ática, 1978.
SELL, Carlos Eduardo. Sociologia Clássica: Marx, Durkheim e Weber. Coleção Sociologia), 2ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
TOMAZI, Nelson (org.). Iniciação à Sociologia. 2ª ed. revisada e ampliada. São Paulo: Atual, 1993.
VIANA, Nildo. Introdução à Sociologia. Belo Horizonte: Autêntica. 2006.
WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 4ª Ed. Zahar. Rio de Janeiro:1979.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Resuminhos Clássicos para as aulas de Sociologia

A ética protestante e o espírito do capitalismo

Escrito como uma série de ensaios entre 1904 e 1905, foram, mais tarde, complementados pelo autor e publicados em um livro, no qual ele investiga as razões do capitalismo se haver desenvolvido inicialmente em países como a Inglaterra ou a Alemanha, concluindo que isso se deve à mundividência e hábitos de vida instigados ali pelo protestantismo. Neste livro, o autor avança a tese de que a ética e as ideias puritanas, a ética calvinista (ascética), influenciaram o desenvolvimento do capitalismo nos EUA.

A divisão do trabalho social

Nesse texto de 1893 o autor analisa as funções sociais do trabalho na sociedade e procura mostrar como na modernidade tal divisão é a principal fonte de coesão ou solidariedade social.

O Capital

Conjunto de livros reunidos em um volume de 1867, apontando e criticando o desenvolvimento do capitalismo de épocas anteriores até a modernidade. Nesta obra existem muitos conceitos econômicos complexos, como mais valia, capital constante e capital variável, uma análise sobre o salário; sobre a acumulação primitiva, resumindo, sobre todos os aspectos do modo de produção capitalista, incluindo uma crítica exemplar sobre a teoria do valor-trabalho de Adam Smith e de outros assuntos dos economistas clássicos.

A ciência como vocação

Texto originado de uma conferência realizada pelo autor em novembro de 1917 em que comparou a situação da universidade alemã com a realidade dos Estados Unidos e advertiu seus ouvintes de que no futuro haveria um processo de americanização da vida universitária, que seria cada vez mais parecida com empresas estatais: cientistas, professores e acadêmicos, cujas chances de promoção profissional, ainda seriam bastante determinadas pelo papel do acaso e da contingência, sempre pressioandos a conciliar a difícil vocação para a pesquisa e para o ensino. Conclui que a vocação para a ciência também exige paixão (dedicação à causa) e, além disso, inspiração para fazer uma obra relevante.

Manifesto do Partido Comunista

Texto publicado em 1848, sugere um curso de ação para uma revolução socialista através da tomada do poder pelos proletários. Faz uma análise histórica, distinguindo as várias formas de opressão social durante os séculos e situa a burguesia moderna como nova classe opressora. Não deixa, porém, de citar seu grande papel revolucionário, tendo destruído o poder monárquico e religioso valorizando a liberdade econômica extremamente competitiva e um aspecto monetário frio em detrimento das relações pessoais e sociais, assim tratando o operário como uma simples peça de trabalho.

As regras do método sociológico

Obra de 1895 em que o autor apresenta o projeto próprio de estabelecer a sociologia como uma nova ciência social. Assim sugere duas teses principais, sem as quais a sociologia não poderia ser uma ciência: Precisa ter um objeto específico de estudo. Diferentemente da filosofia ou da psicologia, o objeto próprio da sociologia é o fato social. Precisa respeitar e aplicar um reconhecimento objetivo, um método científico, trazendo-a para perto, dentro do possível, das outras ciências exatas. Este método pode evitar a todo custo preconceitos e julgamentos subjetivos.

Ideologia Alemã

Obra manuscrita em 1846 e só publicada posteriormente em que o autor faz críticas ao que denomina de jovens filósofos hegelianos, que considera produtores de uma ideologia alemã conservadora, apesar de se auto-denominarem teóricos revolucionários. Marx aponta para o fato de que, para estes filósofos, as transformações da sociedade se originam somente no plano do pensamento e nunca alcançam a realidade concreta. Isto porque cada um deles, criticando a teoria hegeliana, adota um aspecto desta, sem romper com a falsa noção, segundo Marx, de que é o espírito humano, e não a atividade humana, o sujeito da história.

O suicídio

Esse texto de 1897 foi um estudo de caso que trouxe um exemplo de como uma monografia sociológica deveria ser escrita. Estudou as conexões entre os indivíduos e a sociedade. Ele acreditava que se pudesse demonstrar o quanto um ato individual é o resultado do meio social que o cerca. Com isso teria uma prova concreta da utilidade da sociologia. Neste livro, o autor desenvolve o conceito de anomia. Ele explora as diferentes taxas de suicídio entre protestantes e católicos, explicando que o forte controle social entre os católicos resulta em menores índices de suicídio.

A objetividade do conhecimento nas ciências políticas e sociais

Texto publicado em 1904, em que o autor apresenta minuciosamente os principais temas sobre sua concepção de metodologia da ciência social e das relações entre conhecimento e prática científicas. Aponta que na investigação de um tema, um cientista é inspirado por seus próprios valores e ideais, que tem um caráter sagrado para ele, nos quais deposita sua fé e pelos quais está disposto a lutar. Em outras palavras, é preciso distinguir entre julgamentos de valor e o saber empírico. Este nasce da necessidade e considerações práticas historicamente colocadas, na forma de problemas, ao cientista cujo propósito deve ser o de procurar selecionar e sugerir a adoção de medidas que tenham a finalidade de solucioná-los. Já os julgamentos de valor dizem respeito à definição dos significados que se dá aos objetos ou aos problemas. O saber empírico tem como objetivo procurar respostas através do uso dos intrumentos mais adequados (meios, métodos). A ação do cientista é seletiva. A objetividade do conhecimento decorre, em boa medida, da incorporação consciente dos valores e do controle rigoroso dos procedimentos de análise. Um: estabelecer leis e fatores hipotéticos que servirão como meios para seu estudo; dois: analisa e expõe ordenadamente os fatores historicamente dados; três: reconstrói o passado: último: avalia possibilidades de futuro.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Ócio Criativo - Concordando com De Masi

DE MASI, Domenico. Em Busca do ócio. In. REVISTA VEJA (org.), Veja: 25 Anos – Reflexões para o futuro. Editora Abril. São Paulo: 1993. Pg. 41-50
DE MASI, Domenico. O ócio criativo. Editora Sextante. Rio de Janeiro: 2000.



Para analisar a ideia central, de ócio criativo, do sociólogo italiano, parto de uma citação de Max Weber: para ele, o entusismo é um pré requisito da inspiração. Entusiasmo e trabalho, e acima de tudo ambos em conjunto, é que criam a ideia.

"As idéias nos chegam quando lhes apraz, e não quando queremos. As melhores idéias ocorrem realmente à nossa mente da forma que Ihering descreve: ao fumarmos um charuto no sofá; ou, como Helmholtz diz de si mesmo, com exatidão científica: quando caminhamos por uma rua que sobe lentamente; ou de qualquer outra forma semelhante. De qualquer modo, as idéias chegam quando não às esperamos, e não quando estamos pensando e procurando em nossa mesa de trabalho. Não obstante, elas certamente não nos ocorreriam se não tivéssemos pensado à mesa e buscado respostas com dedicação apaixonada." WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 4ª Ed. Zahar. Rio de Janeiro:1979. p. 162.

Essa é a essência do ócio criativo de De Masi: o contrário do nada, do fazer nada. É justamente o seu inverso: é o prazer de fazer, de pensar, de edificar, de desconstruir, de retificar e ratificar, de contrapor, é o objetivo, a vontade... Essa vontade e este entusiasmo, ambos em conjunto com o labor é que sustentam a inspiração, a idéia, o conhecimento.

Holismo & Saúde

Em minhas aulas para os cursos da área da saúde, discutimos, entre outros assuntos e temas relacionados à postura epistemológica da prática médica, as relações entre as Ciências Sociais e as Ciências da área da saúde.



Um dos textos que introduz esta abordagem é o Capítulo 5 de O ponto de Mutação, de Fritjof Capra.
Fritjof Capra em “O modelo biomédico” critica aquilo que chama de abordagem cartesiana da medicina humana moderna. Ao longo do texto, o autor constrói vários conceitos acerca das práticas médicas.

Nesse capítulo, pode-se destacar algumas formulações chave para a interpretação do que o autor chama de paradigma biomédico cartesiano/newtoniano:

A. Modelo ou paradigma biomédico cartesiano

B. Concepção holística da saúde/doença

C. Concepção biomédica da saúde/doença

D. Concepção mecanicista/reducionista da vida

• Letras A:
(Descartes) Sua rigorosa divisão entre corpo e mente levou os médicos a se concentrarem na máquina corporal e a negligenciarem os aspectos psicológicos, sociais e ambientais da doença. (p. 119)
Obedecendo à abordagem cartesiana a ciência médica limitou-se à tentativa de compreender os mecanismos biológicos envolvidos numa lesão em uma das várias partes do corpo. (p.132)
A abordagem cartesiana influenciou a prática da assistência à saúde em vários e importantes aspectos. Em primeiro lugar, dividiu a profissão em dois campos distintos com muito pouca comunicação entre si. Os médicos ocupam-se do tratamento do corpo, os psiquiatras e psicólogos, da cura da mente. (p. 134)
• Letras B:
Na concepção holística a enfermidade física é apenas uma das numerosas manifestações de um desequilíbrio básico do organismo. (p. 127)
A pesquisa biomédica terá que ser integrada num sistema mais amplo de assistência à saúde, em que as manifestações d todas as enfermidades humanas sejam vistas como resultantes da interação de corpo, mente e meio ambiente, e sejam estudadas e tratadas nessa perspectiva abrangente.
• Letras C:
A concepção biomédica da saúde/doença estuda apenas alguns aspectos fisiológicos. O conhecimento desses aspectos é, evidentemente, muito útil, mas eles representam apenas uma pequena parte da história. A prática médica, baseada em tão limitada abordagem, não é muito eficaz na promoção e manutenção da boa saúde. (p. 132-133)
O principal erro da concepção biomédica da saúde/doença é a confusão entre processos patológicos e origens das doenças. Em vez de perguntarem porque ocorre uma doença e tentarem eliminar as condições que levaram a ela, os pesquisadores médicos tentam entender os mecanismos biológicos através dos quais a doença age, para poderem interferir neles. (p.142-143)
• Letras D:
O corpo humano é considerado uma máquina que pode ser analisada em termos de suas peças; a doença é vista como um mau funcionamento dos mecanismos biológicos, que são estudados do ponto de vista da biologia celular e molecular; o papel dos médicos é intervir, física ou quimicamente, para consertar o defeito no funcionamento de um específico mecanismo enguiçado. (p. 116)
A idéia de uma doença ser causada por apenas um fator estava em perfeita concordância com a concepção cartesiana dos organismos vivos como sendo máquinas cujo desarranjo pode ser imputado ao mau funcionamento de um único mecanismo. (p. 121)
No século XX, a tendência reducionista persistiu na ciência biomédica. (...) A medicina do século XX caracteriza-se pela progressão da biologia até o nível molecular e pela compreensão de vários fenômenos biológicos nesse nível. (p. 123)
A concepção mecanicista do organismo humano levou a uma abordagem técnica da saúde, na qual a doença é reduzida a uma avaria mecânica e a terapia médica, à manipulação técnica. (p. 138)
A concepção mecanicista do organismo humano e a resultante abordagem técnica da saúde levaram a uma excessiva ênfase na tecnologia médica, que é considerada o único caminho para melhorar a saúde. (p. 140)
No processo de redução da enfermidade à doença, a atenção dos médicos desviou-se do paciente como pessoa total. Enquanto a enfermidade é uma condição do ser humano total, a doença é a condição de uma determinada parte do corpo; e em vez de tratarem pacientes que estão enfermos, os médicos concentraram-se no tratamento de suas doenças. (p. 144)

No sistema atual de assistência à saúde, os médicos desempenham um papel ímpar e decisivo nas equipes que se encarregam das tarefas de assistência aos pacientes. É o médico quem encaminha os pacientes para o hospital e os manda de volta para casa, é ele quem solicita as análises e radiografias, quem recomenda uma cirurgia e receita medicamentos. O pessoal da enfermagem, embora seja com freqüência altamente qualificado, como os terapeutas e os sanitaristas, é considerado mero auxiliar dos médicos e raramente pode usar todo seu potencial. Em virtude da estreita concepção biomédica da doença e dos padrões patriarcais de poder no sistema de assistência à saúde, o importante papel que as enfermeiras desempenham no processo de cura, através do contato com os pacientes, não é plenamente reconhecido. Graças a esse contato, as enfermeiras adquirem freqüentemente um conhecimento muito mais amplo do estado físico e psicológico dos pacientes do que os médicos, mas esse conhecimento é considerado menos importante do que a avaliação “científica” do médico, baseada em testes de laboratório. Fascinada pela mística que cerca a profissão médica, nossa sociedade conferiu aos médicos o direito exclusivo de determinarem o que constitui a doença, quem está, e os procedimentos em relação ao indivíduo enfermo. Muitos outros profissionais, como os homeopatas, os quiropráticos e os herbanários, cujas técnicas terapêuticas são baseadas em modelos conceituais diferentes, mas igualmente coerentes, foram legalmente excluídos do ramo principal da assistência à saúde. (p. 151)
Referência: CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix. 1982. p. 116 - 155

Uma mística cerca a profissão de médico. Nosso modelo ocidental moderno conferiu aos médicos o exclusivo direito de diagnosticar doenças, de apontar quem é ou não doente e como devemos proceder em relação ao indivíduo enfermo.

O médico “dá baixa” em hospitais, determina “altas”, requer análises, radiografias, hemogramas, recomenda ou elege cirurgias, além de ser o único ser humano com capacidade legal, e portanto legítima, no nosso atual sistema de saúde, de receitar “remédios”, medicamentos. Cabe lembrar aqui que não é ele quem os manipula. Quem faz isso são os químicos, biólogos, bioquímicos e biomédicos, entre outros, que depois de produzi-los, não possuem autoridade legal de decidir quem deverá consumi-los. Isso demonstra o quanto os médicos desempenam o papel de protagonistas das equipes de assistência e mesmo de cuidado aos pacientes, no nosso atual sistema de saúde.

Em uma abordagem sociológica, percebemos que o nosso sistema de saúde vigente está ancorado no paradigma da concepção biomédica e cartesiana da saúde e da doença. Seguimos reproduzindo um padrão de sistema patriarcal de assistência à saúde. Isso se dá em detrimento daqueles que se convencionou chamar de equipe de apoio: os enfermeiros, professores de educação física, personals trainers, terapeutas ocupacionais, acumpunturistas, massoterapeutas, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, sanitaristas e muitos outros, que são considerados meros auxiliares dos médicos. Todos eles, embora com formação, via de regra, altamente qualificada não tem oportunidade de usar todos seu potencial.

Um enfermeiro, por exemplo, tem um papel fundamental e decisivo na melhora ou na cura de um doente. Isso ocorre devido a um freqüente e prolongado contato com o paciente. Graças a isso, interagem com muito mais intensidade com os sujeitos tratados, obtendo assim um amplo conhecimento do estado físico e psicológico dos enfermos, bem como um leque de opções mais amplo de ações e intervenções.

É possível acreditar que a concepção mecanicista/cartesiana do organismo humano, resultante da redução biomédica do corpo e da doença, levou a uma abordagem tecnicista/reducionista da saúde marcada por uma excessiva ênfase na clínica e na química médica. Certamente esse não é o melhor, nem o único caminho para se buscar a melhora dos tratamentos de saúde e de bem estar humano.

O incremento tecnológico, ainda assim é imenso, as inovações dos fármacos são consideráveis, as “equipes de apoio” são as verdadeiras e silenciosas responsáveis pela cura. E os médicos, além de criticar as políticas sociais, que lhes exigem mais dedicação e tempo, para que atinjam a integralidade no atendimento nos Sistema Único de Saúde, ainda hoje, nesses meados do século XXI, tateiam as mesmas dúvidas de quando da revolução cartesiana – há quatro séculos passada, procurando já não sem tempo a cura do câncer, do HIV e por incrível que pareça – da gripe...