sexta-feira, 8 de abril de 2011

Holismo & Saúde

Em minhas aulas para os cursos da área da saúde, discutimos, entre outros assuntos e temas relacionados à postura epistemológica da prática médica, as relações entre as Ciências Sociais e as Ciências da área da saúde.



Um dos textos que introduz esta abordagem é o Capítulo 5 de O ponto de Mutação, de Fritjof Capra.
Fritjof Capra em “O modelo biomédico” critica aquilo que chama de abordagem cartesiana da medicina humana moderna. Ao longo do texto, o autor constrói vários conceitos acerca das práticas médicas.

Nesse capítulo, pode-se destacar algumas formulações chave para a interpretação do que o autor chama de paradigma biomédico cartesiano/newtoniano:

A. Modelo ou paradigma biomédico cartesiano

B. Concepção holística da saúde/doença

C. Concepção biomédica da saúde/doença

D. Concepção mecanicista/reducionista da vida

• Letras A:
(Descartes) Sua rigorosa divisão entre corpo e mente levou os médicos a se concentrarem na máquina corporal e a negligenciarem os aspectos psicológicos, sociais e ambientais da doença. (p. 119)
Obedecendo à abordagem cartesiana a ciência médica limitou-se à tentativa de compreender os mecanismos biológicos envolvidos numa lesão em uma das várias partes do corpo. (p.132)
A abordagem cartesiana influenciou a prática da assistência à saúde em vários e importantes aspectos. Em primeiro lugar, dividiu a profissão em dois campos distintos com muito pouca comunicação entre si. Os médicos ocupam-se do tratamento do corpo, os psiquiatras e psicólogos, da cura da mente. (p. 134)
• Letras B:
Na concepção holística a enfermidade física é apenas uma das numerosas manifestações de um desequilíbrio básico do organismo. (p. 127)
A pesquisa biomédica terá que ser integrada num sistema mais amplo de assistência à saúde, em que as manifestações d todas as enfermidades humanas sejam vistas como resultantes da interação de corpo, mente e meio ambiente, e sejam estudadas e tratadas nessa perspectiva abrangente.
• Letras C:
A concepção biomédica da saúde/doença estuda apenas alguns aspectos fisiológicos. O conhecimento desses aspectos é, evidentemente, muito útil, mas eles representam apenas uma pequena parte da história. A prática médica, baseada em tão limitada abordagem, não é muito eficaz na promoção e manutenção da boa saúde. (p. 132-133)
O principal erro da concepção biomédica da saúde/doença é a confusão entre processos patológicos e origens das doenças. Em vez de perguntarem porque ocorre uma doença e tentarem eliminar as condições que levaram a ela, os pesquisadores médicos tentam entender os mecanismos biológicos através dos quais a doença age, para poderem interferir neles. (p.142-143)
• Letras D:
O corpo humano é considerado uma máquina que pode ser analisada em termos de suas peças; a doença é vista como um mau funcionamento dos mecanismos biológicos, que são estudados do ponto de vista da biologia celular e molecular; o papel dos médicos é intervir, física ou quimicamente, para consertar o defeito no funcionamento de um específico mecanismo enguiçado. (p. 116)
A idéia de uma doença ser causada por apenas um fator estava em perfeita concordância com a concepção cartesiana dos organismos vivos como sendo máquinas cujo desarranjo pode ser imputado ao mau funcionamento de um único mecanismo. (p. 121)
No século XX, a tendência reducionista persistiu na ciência biomédica. (...) A medicina do século XX caracteriza-se pela progressão da biologia até o nível molecular e pela compreensão de vários fenômenos biológicos nesse nível. (p. 123)
A concepção mecanicista do organismo humano levou a uma abordagem técnica da saúde, na qual a doença é reduzida a uma avaria mecânica e a terapia médica, à manipulação técnica. (p. 138)
A concepção mecanicista do organismo humano e a resultante abordagem técnica da saúde levaram a uma excessiva ênfase na tecnologia médica, que é considerada o único caminho para melhorar a saúde. (p. 140)
No processo de redução da enfermidade à doença, a atenção dos médicos desviou-se do paciente como pessoa total. Enquanto a enfermidade é uma condição do ser humano total, a doença é a condição de uma determinada parte do corpo; e em vez de tratarem pacientes que estão enfermos, os médicos concentraram-se no tratamento de suas doenças. (p. 144)

No sistema atual de assistência à saúde, os médicos desempenham um papel ímpar e decisivo nas equipes que se encarregam das tarefas de assistência aos pacientes. É o médico quem encaminha os pacientes para o hospital e os manda de volta para casa, é ele quem solicita as análises e radiografias, quem recomenda uma cirurgia e receita medicamentos. O pessoal da enfermagem, embora seja com freqüência altamente qualificado, como os terapeutas e os sanitaristas, é considerado mero auxiliar dos médicos e raramente pode usar todo seu potencial. Em virtude da estreita concepção biomédica da doença e dos padrões patriarcais de poder no sistema de assistência à saúde, o importante papel que as enfermeiras desempenham no processo de cura, através do contato com os pacientes, não é plenamente reconhecido. Graças a esse contato, as enfermeiras adquirem freqüentemente um conhecimento muito mais amplo do estado físico e psicológico dos pacientes do que os médicos, mas esse conhecimento é considerado menos importante do que a avaliação “científica” do médico, baseada em testes de laboratório. Fascinada pela mística que cerca a profissão médica, nossa sociedade conferiu aos médicos o direito exclusivo de determinarem o que constitui a doença, quem está, e os procedimentos em relação ao indivíduo enfermo. Muitos outros profissionais, como os homeopatas, os quiropráticos e os herbanários, cujas técnicas terapêuticas são baseadas em modelos conceituais diferentes, mas igualmente coerentes, foram legalmente excluídos do ramo principal da assistência à saúde. (p. 151)
Referência: CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix. 1982. p. 116 - 155

Uma mística cerca a profissão de médico. Nosso modelo ocidental moderno conferiu aos médicos o exclusivo direito de diagnosticar doenças, de apontar quem é ou não doente e como devemos proceder em relação ao indivíduo enfermo.

O médico “dá baixa” em hospitais, determina “altas”, requer análises, radiografias, hemogramas, recomenda ou elege cirurgias, além de ser o único ser humano com capacidade legal, e portanto legítima, no nosso atual sistema de saúde, de receitar “remédios”, medicamentos. Cabe lembrar aqui que não é ele quem os manipula. Quem faz isso são os químicos, biólogos, bioquímicos e biomédicos, entre outros, que depois de produzi-los, não possuem autoridade legal de decidir quem deverá consumi-los. Isso demonstra o quanto os médicos desempenam o papel de protagonistas das equipes de assistência e mesmo de cuidado aos pacientes, no nosso atual sistema de saúde.

Em uma abordagem sociológica, percebemos que o nosso sistema de saúde vigente está ancorado no paradigma da concepção biomédica e cartesiana da saúde e da doença. Seguimos reproduzindo um padrão de sistema patriarcal de assistência à saúde. Isso se dá em detrimento daqueles que se convencionou chamar de equipe de apoio: os enfermeiros, professores de educação física, personals trainers, terapeutas ocupacionais, acumpunturistas, massoterapeutas, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, sanitaristas e muitos outros, que são considerados meros auxiliares dos médicos. Todos eles, embora com formação, via de regra, altamente qualificada não tem oportunidade de usar todos seu potencial.

Um enfermeiro, por exemplo, tem um papel fundamental e decisivo na melhora ou na cura de um doente. Isso ocorre devido a um freqüente e prolongado contato com o paciente. Graças a isso, interagem com muito mais intensidade com os sujeitos tratados, obtendo assim um amplo conhecimento do estado físico e psicológico dos enfermos, bem como um leque de opções mais amplo de ações e intervenções.

É possível acreditar que a concepção mecanicista/cartesiana do organismo humano, resultante da redução biomédica do corpo e da doença, levou a uma abordagem tecnicista/reducionista da saúde marcada por uma excessiva ênfase na clínica e na química médica. Certamente esse não é o melhor, nem o único caminho para se buscar a melhora dos tratamentos de saúde e de bem estar humano.

O incremento tecnológico, ainda assim é imenso, as inovações dos fármacos são consideráveis, as “equipes de apoio” são as verdadeiras e silenciosas responsáveis pela cura. E os médicos, além de criticar as políticas sociais, que lhes exigem mais dedicação e tempo, para que atinjam a integralidade no atendimento nos Sistema Único de Saúde, ainda hoje, nesses meados do século XXI, tateiam as mesmas dúvidas de quando da revolução cartesiana – há quatro séculos passada, procurando já não sem tempo a cura do câncer, do HIV e por incrível que pareça – da gripe...

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