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A coroa do Imperador", meu episódio favorito de Cidade dos Homens.
É o primeiro da 1ª temporada.
Essas são as cenas da aula, é uma obra prima pra reflexão pedagógica!
Esse espaço é um laboratório de Teoria Social e Ciência Política. Quanto a mim, sou antropólogo e professor na Universidade Federal do Pampa. Tenho graduação e mestrado em Ciências Sociais, especialização em História e doutorado pela UFSM. Chave PIX: chimarraomarxista@gmail.com
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É o primeiro da 1ª temporada.
Essas são as cenas da aula, é uma obra prima pra reflexão pedagógica!
Tem muitas versões, a mais antiga é de Charles Perrault, Le Petit Chaperon Rouge, e a mais conhecida acho que dos irmão grimm.
Era uma vez uma bela e ingênua menina que vivia com a mãe. Ela era encantada pela avó e a avó por ela.
A menina usava sempre uma capa com capuz vermelho, por isso era chamada por todos de Chapeuzinho Vermelho.
Um belo dia a avó adoece e a mãe de Chapeuzinho pergunta se a menina poderia levar algo para a avó comer. A casa da menina ficava na vila e a da avó no meio da floresta, a uma certa distância.
A menina prontamente se mostra disposta a ajudar. A mãe lhe entrega uma cesta com o alimento e lhe dá ordens claras para que não fale com estranhos e siga pelo caminho mais curto.
OPA, submeter uma criança a uma ação de risco que possa causar-lhe dano físico ou psicológico pode ser considerado um crime de maus-tratos, previsto no Artigo 136 do Código Penal Brasileiro.
Ainda no início do caminho rumo a casa da avó, a garota é interrompida por um Lobo, que se mostra muito gentil. OPA, isso não é crime, mas de acordo com o iter criminis podem estar ocorrendo aqui os atos preparatórios.
Ele puxa conversa e pergunta para onde ela vai. Chapeuzinho, ingênua, cai na conversa do Lobo e diz que vai levar quitutes para a avó, que está adoentada.
Ele sugere então que a menina siga por um determinado caminho, para colher flores para a vovozinha. OPA, no Código Penal Brasileiro, não existe um crime específico que trate exatamente da situação de indicar um caminho errado a alguém com o objetivo de cometer um crime. Mas, essa conduta pode muito bem se encaixar em outros tipos de crimes previstos no código.
Enquanto isso, o malvado segue por um caminho mais curto e chega na casa da avó primeiro.
Quando a avó pergunta quem bate à porta, o Lobo se faz passar pela menina. OPA, a conduta de fazer-se passar por outra pessoa pode se enquadrar em diversos tipos de crimes, dependendo das circunstâncias e das intenções por trás dessa ação.
A avó, também ingênua, ensina-o a abrir a porta. Assim que vê a velha, o Lobo mau a devora de uma só vez. Bem, como sabemos, no final, a velha é retirada da barriga do lobo e passa bem, então pode no máximo configurar uma tentativa de homicídio, que é prevista no Artigo 121, Parágrafo 2º, que estabelece a pena para quem tenta matar outra pessoa.
Ele então coloca as roupas da avó e se deita na cama, esperando que a menina chegue. Bem, forçando muito o enquadramento penal, a pessoa que utiliza a falsa identidade com o objetivo de obter vantagem ilícita ou causar prejuízo a alguém, pode ser acusada de falsidade ideológica, conforme previsto no Artigo 299 do Código Penal.
Quando Chapeuzinho bate na porta, o Lobo responde como se fosse a avó, enganando-a.
A garota percebe algo estranho na "avó" e então começa aquele diálogo que conhecemos muito bem.
É para melhor te escutar!
Que olhos grandes você tem!
É para melhor te enxergar!
Que mãos grandes você tem!
É para melhor te agarrar!
Que boca grande você tem!
É para melhor te comer!
E então, devora também a pobre menina.
Daí, depois de devorar as duas, o Lobo se deita na cama para tirar um cochilo.
E então, por sorte, um caçador que passa pela casa e acha estranho o barulho do ronco que vem de lá de dentro.
Ao entrar na casa depara-se com o Lobo, de barriga cheia, deitado na cama.
Então, habilidosamente, com uma faca, abre a barriga do Lobo e consegue salvar a menina e a avó.
OPA, temos aqui uma cirurgia realizada sem habilitação necessária. Código Penal Brasileiro, a conduta de realizar cirurgia em um animal sem ser médico veterinário pode ser enquadrada como crime de exercício ilegal da medicina veterinária. É um crime e está previsto no Artigo 282-A do Código Penal, que foi acrescentado à legislação brasileira somente em 2009.
Finalmente, a Chapeuzinho Vermelho depois de ser salva, pega algumas pedras e junto com a avó e com o caçador, coloca todas na barriga do Lobo. Quando acorda, com muita sede, vai até o poço beber água e ao inclinar-se, cai dentro dele e morre. Bem, a conduta de abrir a barriga de um animal e colocar pedras dentro pode ser enquadrada como crime de maus-tratos a animais. Esse crime está previsto no Artigo 32 da Lei nº 9.605/98, conhecida como Lei de Crimes Ambientais.
No conto, o lobo é humanizado, pois fala e interage com os humanos. Nesse caso, o caçador, a avó e a menina do capuchinho vermelho, concorrem para a morte de alguém e, em seguida, jogam o corpo dela em um poço e isso envolve uma série de crimes.
O primeiro deles é o homicídio, se a pessoa contribuiu de forma direta ou indireta para a morte da vítima. Está previsto no Artigo 121 do Código Penal Brasileiro.
Pode ser também ocultação de cadáver, que é o ato de esconder, dissimular ou ocultar um corpo que tenha sido vítima de crime. Pode ser enquadrado no Artigo 211 do Código Penal.
Por fim, associação criminosa, e houver mais de uma pessoa envolvida na ação de causar a morte de uma vítima e ocultar o cadáver, está previsto no Artigo 288 do Código Penal.
Como vimos, é uma história infantil muito lúdica e inocente, fica aqui a sugestão pra você contar pros seus filhos antes de dormir, desde que você deseje que ele se torne umchico picadinho ou um maníaco do parque!
A norma hipotética fundamental de Kelsen e a lógica transcendental
de Kant são conceitos fundamentais distintos a saber
A teoria
do direito e a epistemologia a norma fundamental hipotética é ideia
central da teoria do direito de Kelsen segundo Kelsen todas as normas
jurídicas são derivadas de uma Norma hipotética fundamental que é
um princípio normativo que é pressuposto mas não provado como a
base da ordem jurídica
Essa Norma hipotética fundamental é
uma hipótese que não é verificavel empiricamente mas que é
necessária para justificar a validade das normas jurídicas
Por
outro lado a lógica transcendental kantiana é uma lógica que
estuda as condições necessárias para que a experiência seja
possível a lógica transcendental kantiana investiga as condições
formais que tornam possível a experiência como a estrutura da mente
humana e os princípios lógicos subjacentes ao conhecimento
Embora
esses dois conceitos sejam diferentes em suas respectivas áreas eles
têm uma conexão filosófica ambos envolvem a ideia de que há uma
estrutura subjacente de que é necessária para que outras coisas
sejam possíveis assim a norma hipotética fundamental de Kelsen é
uma estrutura normativa que é necessária para justificar a validade
das normas jurídicas
Enquanto a lógica transcendental kantiana
é uma estrutura necessária para que a experiência seja possível
Em
resumo a relação entre Norma hipotética fundamental kantiana e
lógica transcendental kantiana é que ambas são estruturas
subjacentes necessárias para que outras coisas normas jurídicas e
experiência seja possíveis
TEOREMA DE COASE
Disciplina de Análise Econômica do Direito |
Professor Flavio Pires
Acadêmico: Guilherme Howes
O presente trabalho responde à seguinte proposta:
(...) apresentação de um artigo relativo ao Teorema de
Coase, onde o aluno deverá apresentar a parte histórica sobre o ilustre
professor, bem como sua tese relativa a tal teorema.
INTRODUÇÃO – BREVE NOTA BIOGRÁFICA
No final de 1910, no bairro de Willesden, região suburbana
de Londres nasce um menino de classe média baixa, filho de empregados do Royal
Mail, os serviços postais ingleses. Ao que consta em breves nota biográficas
(RODRIGUES JÚNIOR, 2013), o pequeno Ronald viveu ali uma infância relativamente
tranquila, apesar de seu país ter vivido um papel central na 1ª Grande Guerra. Mesmo
tendo deixado a escola aos 12 anos de idade seus dedicaram-se para que o filho
não tivesse o mesmo destino. Desde cedo inseriram o filho na vida escolarizada.
Mais tarde, os esforços para a formação do filho foram recompensados com uma
bolsa de estudos para o Kilburn Grammar School. O garoto não tardou a se
decidir sobre a vida universitária. Demoveu-se da História por não se julgar
suficientemente apto em latim e da Química devido às suas dificuldades com a
Matemática. Optou, então, pela Economia. Em 1929, coincidentemente mesmo ano da
quebra do bolsa de Nova Yorque, um marco para o liberalismo econômico, o jovem
Ronald ingressa na London School of Economics
(LSE) para cursar bacharelado em comércio.
Ali teve seu primeiro contato com o Direito, quando começou a estudar os casos das cortes inglesas e a ler revistas jurídicas. Isso o levou a pensar seriamente em seguir a carreira jurídica, o que provavelmente viria a ocorrer caso, durante os estudos na LSE, não tivesse sido transformado por uma uma palestra proferida por Arnold Plant, que o apresentou à economia, à obra de Adam Smith e à ideia da mão invisível do mercado (VALÊNCIO, 2016).
A partir disso, na sequência de seus estudos, aproximou-se
de Arnold Plant[1],
o que lhe possibilitou conseguir uma importante bolsa de estudos, a Sir
Ernest Cassel Travelling Scholarship, levando-o a estuda nos Estados Unidos
entre os anos 1931-1932 na Universidade de Chicago. Na Universidade americana
dirigiu seu foco para as intersecções entre o Direito, a Economia e a atividade
empresarial. Retornou a Londres ao final da bolsa de estudos e formou-se pela
LSE em 1932.
O início da carreira acadêmica formal se dá imediatamente
como professor No ano de 1932, Coase dá início a sua carreira acadêmica formal
como professor na Dundee School of Economics and Commerce, entre os anos
de 1932 a 1934; posteriormente, leciona na University of Liverpool,
entre os anos de 1934 a 1935. Em 1935, retorna para a London School of
Economics, sua “alma mater” (RODRIGUES JÚNIOR, 2013). O curto período
vivido nos Estados Unidos somados à meia década de atividade docente na
Inglaterra fizeram o jovem economista amadurecer algumas noções sobre a relação
entre a natureza jurídica das atividades econômicas. É nesse contexto que, em
1937, Coase publica seu primeiro texto influente.
Coase desembarcou nos Estados Unidos no auge da Grande Depressão [início dos anos 1930] e teve a oportunidade de aproveitar a ociosidade das pessoas e indagar sobre seus trabalhos, seus empregos e as razões pelas quais tomavam suas decisões. Como resultado destas investigações, de volta à Grã-Bretanha, escreveu o artigo "A Natureza da Firma” [em 1937] (VALÊNCIO, 2016).
Em 1939 começa a Segunda Grande Guerra e Coase torna-se
assessor do Gabinete de Guerra britânico trabalhando no Escritório Central de
Estatísticas. A Guerra finda em 1945, e o então primeiro-ministro Winston
Churchill sai derrotado na Eleições Gerais que vieram logo depois. A vitória é
de Clement Attlee, líder do partido trabalhista. Sem mais o cargo no governo,
Coase reassume suas funções docentes na LSE. Em 1948 Ronald Coase passa um
curto período nos EUA, mas retorna à Inglaterra onde conclui seu doutoramento
em 1951 nesta mesma Universidade.
O cenário pós guerra faz emergir em seu país no início dos
anos 1950, as bases do que ficou conhecido como welfare state, o estado
de bem estar social, constituído pela “ascensão do papel Estado como
empreendedor nos setores postais, telegráficos, de fornecimento de água e
energia elétrica e de radiodifusão” (VALÊNCIO, 2016). Embora a LSE tenha
oferecido a Coase a cátedra de Ciência Econômica, deixada por Friederich von
Hayek em 1950, ele julga que “vários princípios socialistas estão sendo
inseridos na economia britânica” (idem) e decide então emigrar para os Estados
Unidos da América.
Nos Estados Unidos, praticamente reiniciou sua carreira, começando por dar aulas na inexpressiva Universidade de Buffalo, no estado de Nova York, onde permaneceu entre 1951 e 1959, dedicando seu tempo ao aprofundamento de suas pesquisas, motivo pelo qual rejeitou convites para cátedras em universidades de nome, tais como Harvard e Chicago. Ao final de seu período em Buffalo, foi pesquisador no Center for Advanced Studíes ín Behavíoral Scíences em Stanford, na Califórnia, uma instituição que, financiado pela Fundação Ford, buscava desenvolver pesquisas interdisciplinares sobre o comportamento humano com foco na Antropologia, na Economia, na Ciência Política, na Sociologia e na Psicologia, o que lhe deu base para a publicação de seu artigo "O Problema do Custo Social", no Journal of Law and Economícs, da prestigiada Universidade de Chicago (VALÊNCIO, 2016).
Assim, em 1960 o professor da Universidade da Virgínia (EUA), Ronald Harry Coase, aos 50 anos de idade, publicou o artigo que lhe catapultou ao prêmio Nobel em Ciências Econômicas na área de microeconomia (em 1991). O artigo “O problema do custo social” (COASE, 1960) foi paradigmático na área de legislação econômica e, por essa razão, uma inequívoca referência desde então. Importante ressalvar desde já que essa referência não se dá somente em função de seu alcance teórico, mas sobretudo pela sua aplicabilidade prática tanto no plano econômico quanto no plano jurídico, talvez mesmo na intersecção entre essas duas áreas do conhecimento.
Após essa breve nota biográfica, esse artigo tratará, em seu
desenvolvimento, mais detidamente sobre uma compreensão do consagrado Teorema
de Coase e na conclusão, uma breve ponderação sobre a aplicação desse paradigma
sobre o atual contexto jurídico político brasileiro, nominadamente, a Análise
Econômica do Direito, suas influências, possibilidades, limitações e
consequências.
DESENVOLVIMENTO – O
TEOREMA DE COASE
Em outubro de 1960, então professor de Economia na
Universidade da Virgínia, Ronald Coase publica o artigo “O problema do custo
social” (COASE, 1960) no periódico Journal of Law and Economics (EUA).
Nele, partiu de bases teóricas tanto econômica quanto jurídicas para refletir
sobre a questão dos direitos de propriedade. Em essência, o Teorema de Coase
propõe que os fatores externos, as chamadas externalidades[2], não devam ser
razões para que haja interferência estatal (dos governos em todas as suas
formas) nas transações em que, excetuadas essas externalidades, deveriam ser mediadas
privadamente. Nesses termos, a função da legislação, compreenda-se aqui os
governos, seria apenas, embora isso não seja pouco, a de assegurar que as
partes tenham garantidos os seus respectivos direitos. No limite, os direitos
seriam tratados como relações econômicas em que ambas as partes obtenham
benefícios, mutuamente vantajosos, nos termos do autor, “barganha mutuamente
satisfatória” (COASE, 1960. p. 04).
Procurando explicar de forma mais simples, pode-se afirmar
que para Coase, todo “problema”, todo litígio, toda “externalidade” possui uma
“natureza recíproca” (idem, p.01). Coase pressupõe que toda relação jurídica,
por mais particular que seja, insere-se num canário mais amplo, genericamente
compreendido como um “sistema de preços” (ibidem). Todo aumento de custos de um
lado implica em um aumento de custos em outro. Como em um sistema de êmbolos,
toda relação jurídica é, de fundo, uma relação econômica, não necessariamente
monetária. Observemos como o próprio autor apresenta a questão:
A abordagem tradicional tende a obscurecer a natureza da escolha que deve ser feita. A questão é comumente pensada na forma em que A inflige um dano em B e o que tem de ser decidido é: como devemos coibir A? Mas isso está errado. Estamos lidando com um problema de natureza recíproca. Para evitar o dano em B, dever-se-ia causar um dano em A. A verdadeira questão a ser respondida é: A deveria estar permitido a causar um dano em B ou deveria B estar permitido a causar um dano em A? O problema está em evitar o dano mais sério (COASE, 1960, p.01). Negritos meus.
Aufere-se
do trecho citado, que um dano de A sobre B causará um custo, um “custo social”,
um “dano”, como mencionado pelo autor no trecho citado. Já a contra ação de B
sobre A, cobrando, por exemplo indenização, gerará outro custo social, outro
“dano”. A questão, portanto, é saber qual a melhor forma de resolver a contenda
ente A e B. E, resumindo, a melhor forma será aquela que gerar o menor custo
social do sistema geral de preços. Pelas palavras do autor, aquela que
conseguir evitar um “dano mais sério”.
Importante
aqui, retornar à questão das externalidades, já mencionadas anteriormente, pois
elas são centrais para a inteligibilidade do Teorema de Coase. Em sentido
prático, as externalidades dizem respeito a tudo aquilo que o consumo privado
ou a produção de um bem ou serviço traz em termos de efeito para toda a
sociedade. A produção ou o consumo de um bem ou serviço poderá afetar a um
terceiro que não está diretamente associado a essa produção ou a esse consumo
desse bem ou serviço. As externalidades são valoradas pelas pessoas, mas não
são passíveis de transações mercantis. Elas podem ser positivas ou negativas,
isto é, o consumo ou a produção de um bem ou serviço pode trazer consequências
benéficas ou nocivas.
Uma
das bases da qual partiu Ronald Coase para construir o seu Teorema foi a obra
de Arthur Cecil Pigou. Foi ele, na década de 1920 quem primeiro teorizou sobre
essa questão. Segundo ele, as empresas perseguiam seus próprios interesses prescindindo
da preocupação com os custos externos das suas atividades econômicas. Por
outros termos, careciam as empresas de estímulos (econômicos financeiros) que
as compelissem a internalizar os custos sociais das suas atividades. Uma vez
que nem os produtores nem os consumidos dos bens e serviços levam em conta os
custos externos (as consequências a toda a sociedade) das suas ações, todo esse
conjunto de atividades não se dará dentro de um quadro de equilíbrio de
mercado.
Coase,
em seu artigo original, cita o estudo de Pigou:
O presente ensaio versa sobre as ações das firmas de negócios que geram efeitos danosos em outros. O exemplo padrão é aquele da fábrica cuja fumaça causa efeitos aos ocupantes de propriedade vizinhas. A análise econômica de uma situação como essa se dá, geralmente, nas bases da divergência entre o produto privado e o social da fábrica, na qual os economistas têm, largamente, seguido o tratamento dado por Pigou em The Economics of Welfare (COASE, 1960. p.01)
Na sequência, alerta que seu artigo vem no sentido contrário
do autor citado. Para Pigou, o correto seria tornar o proprietário da fábrica
responsável pelos danos causados. Para tanto, seria preciso a intervenção do
estado, por exemplo, por meio da tributação. A figura mais característica dessa
intervenção seria o chamado Imposto Pigouviano, cujo objetivo seria reduzir o
consumo dos bens e serviços que geram externalidades, custos sociais negativos,
e, por conseguinte, alcançar o almejado equilíbrio de mercado e, no limite, a
eficiência econômica. Os governos também podem agir impondo limites para a
geração de externalidades negativas (normas, cotas, regulações). Quando são
impostos maiores alíquotas para produtores de cigarros ou bebidas, por exemplo,
o que se tem, na prática, são tributos dessa matriz teórica.
Para Coase o caminho deveria ser o contrário, examinar o
sistema como um todo e não apenas cada situação em particular, como em um
êmbolo simples. O mais disruptivo da proposta de Coase, à diferença de toda
economia jurídica de seu tempo, foi pensar uma mudança paradigmática: Coase não
propunha mudanças NO sistema, mas mudança DE sistema, como se pode denotar na
conclusão do seu artigo:
Seria claramente desejável se as únicas ações realizadas fossem aquelas nas quais o ganho gerado compensasse a perda sofrida. Mas, ao se escolher entre arranjos sociais, em um contexto no qual decisões individuais são tomadas, nós temos de ter em mente que a mudança no sistema existente, a qual conduzirá ao aperfeiçoamento em algumas decisões, pode muito bem levar à pioria em outras. Além disso, tem-se que levar em conta os custos envolvidos para operar os vários arranjos sociais (se seria o trabalho de um mercado ou de um departamento de governo), bem como os custos envolvidos na mudança para um novo sistema. Ao se projetar e escolher entre arranjos sociais, devemos considerar o efeito total. Isso, acima de tudo, é a mudança de abordagem, para a qual estou advogando (COASE, 1960. p. 36)
Por fim, importa ainda ressalvar que para a justa
aplicabilidade da sua proposta teórica, no sentido da eficiência econômica, eram
necessárias algumas condições. Se estivermos em um sistema com regras claras e
bem definidas (inclusive contratos), com direitos de propriedade bem
delimitados, um tipo ideal de sistema econômico liberal, e nele emergir uma
externalidade negativa será muito mais conveniente e eficiente encontrar uma
alocação de recursos a partir de uma negociação, um acordo, entre as partes.
Como se vê, Coase avança sobre a proposta anterior de Pigou. Este, propunha que
as possíveis soluções viessem de fora, dos tributos, por exemplo; já Coase,
subverte completamente essa compreensão. A solução será sempre mais eficiente,
no sentido da alocação de recursos, se advinda de um acordo privado, ente as
próprias partes. Nesse sentido, pode afirmar que regras jurídicas e
governamentais não afetam (necessariamente) a eficiência na alocação das
externalidades, dos custos. E isso porque as partes sempre irão negociar as melhores
soluções (o chamado Ótimo de Pareto[3]), ressalvando que,
nesses casos, não haja custos de transação e que os direitos estejam claramente
definidos.
Ora, a proposta ou princípio teórico implícito no Teorema de
Ronald Coase soa como música aos ouvidos da Teoria Econômica do final dos 30
Anos Gloriosos, o ocaso do Walfare State municiado pelos princípios econômicos
keynesianos. Escrito há mais de três décadas, o Artigo de Coase é coroado pelo
Nobel de Economia, é a teoria econômica, que estabelece um novo paradigma
jurídico, muito conveniente para seu tempo: o neoliberalismo. É disso que
trataremos na conclusão do texto.
CONCLUSÃO – A TEORIA
REFLETE AS IDEIAS DE SEU TEMPO
Quando vem à luz o texto clássico de Coase, o artigo “O
problema do custo social” (COASE, 1960), o mundo era muito diferente do de
hoje. Era um mundo que ainda reorganizava-se dos horrores das duas grandes
Guerras. Nos países de capitalismo central vigiam políticas keynesianas que
lhes propiciava bem estar social e, com ele, uma barreira que continha, nos
planos político e econômico, algumas conquistas alcançadas pelos trabalhadores
do outro lado da Cortina de Ferro (Oliveira, 2009. p. 243). Foi também um tempo
no qual ocorreram os “processos de descolonização da África e da Ásia,
sobretudo entre as décadas de 1960 e 1970, [trazendo] novos países para o
cenário internacional” (SANTOS, 2017). Esse quadro em tela rebateu sobre a
Europa e os Estados Unidos (embora não somente, mas sobretudo) a necessidade de
responder teórica e juridicamente a essas mudanças geopolíticas.
Depois de três décadas de Walfare State, do chamado Estado
de Bem estar social nas economias econômicas mais ricas do Globo, esse cenário
geopolítico entra em crise. Dessa crise, surge o que denominamos hoje de
“neoliberalismo”. Os exemplos mais acabados destas economias são os governos da
Primeira Ministra da Grã-Bretanha, Margaret Thatcher (entre os anos 1979-1990);
do presidente estadunidense Ronald Reagan (entre os anos 1981-1989), e do
Chanceler alemão Helmut Kohl (entre os anos 1982-1990) – atravessando a
reunificação da Alemanha em outubro de 1990. Depois disso “a onda se espalharia
para toda a Europa e, mais tarde, para toda América Latina e para o mundo.
O neoliberalismo ganhava a dimensão de uma ideologia
hegemônica em substituição à hegemonia keynesiana anterior” (GENNARI, 2009.
p.323), a do Estado de bem estar social. Era um contexto geopolítico convulso
com a “Queda do Muro de Berlin” em 1989, simbolizando o desprestígio das
economias socialistas como alternativas políticas; e a ascensão de programas de
privatizações de empresas estatais – tanto na Europa quanto na América. A ingerência
destas fortes economias foi decisiva para as ações dos movimentos sociais,
sindicais e trabalhistas. Evidenciam-se graves problemas econômicos e estruturais
em países de economia pouco desenvolvida, restringem-se os investimentos das
finanças públicas; e em contrapartida, os governos estimulam investimentos do
setor privado, causando assim uma retração nas reformas sociais e uma perda no
peso do setor público. Convém deixar claro que o “neoliberalismo”, não é o
incremento de um Estado liberal, tal qual concebemos o liberalismo até 1929, mas
a ação de um tipo de Estado mínimo, do ponto de vista da atenção às agendas
sociais, porém militante e ativista no que se refere às relações com os mercados
e com o capital.
Não é coincidência que o Teorema de Coase tenha sido
concedido dois anos depois do Consenso de Washington. Era preciso uma teoria
jurídico econômica que expressasse os anseios de um sistema ávido por
conquistar espaço correndo o menor risco (econômico e jurídico) possível. Depois
de aproximadamente meio século de economia keynesiana o liberalismo ressurge em
todo seu esplendor: proteção da propriedade privada e o livre mercado com seu
ideário de autoregulação. As superpotências tem um acúmulo de capital sem
precedentes e buscam expandir suas fronteiras geográficas buscando lugares no
mundo para implantar plantas produtivas. É sobre isso que recomenda o Consenso
de Washington. Haveria uma corrida rumo à América, à Ásia e à África encampando
regiões produtivas de matérias primas e privatizações de empresas públicas
nacionais, que eram, nesses países, o braço empreendedor do estado. Era
preciso, ainda desregulamentar o mercado e eliminar de barreira fiscais. Por
outros termos, haveria um forte impacto nas economias locais com consequências
muito profundas sobre a vida da população. Dessa forte expansão produtiva
decorreria muitos impactos sobre os ecossistemas, afetando flora, fauna, meio
ambiente e, em decorrência disso, muito provavelmente, uma avalanche de ações
jurídicas requerendo direitos, indenizações, acordos judiciais, que inundariam
os sistemas judiciários desses países.
É nesse cenário que o texto de Coase, escrito trinta e um
anos antes recebe sua consagração com o Prêmio Nobel de Microeconomia. É a
resposta teórica aparentemente mais conveniente (dos mercados) para os
problemas materiais com que se defrontariam as economias neoliberais
emergentes. É a resposta certa, do ponto de vista das economias ricas, para os
problemas mais agudos das economias mais pobres. Problemas que as economias
mais pobres jamais se defrontariam se as economias mais ricas não lhes tivessem
chutado a escada (CHANG, 2004). O Consenso e o Teorema, paridos em um parto
gêmeo, são o dog whistle para os mercados e economias locais buscarem
soluções que prescindam do estado, do judiciário. Liberam essas instituições de
algo que da sua natureza compulsoriamente social e política. Em qualquer outro
contexto tal proposta soaria tão absurdo quanto de fato o é. Mas ali, não.
Soou, em verdade, como a melhor proposta. E isso por uma simples razão, porque
não foi uma proposta, foi uma imposição. Ideologia neoliberal apresentada,
imposta como solução barata, eficiente e moralmente justificada pela
sacralização do mercado.
É inequívoco concluir que, para Coase, e isso está claro em
seu Teorema, o mercado traz as melhores soluções para os problemas que ele
próprio cria. Coase usa o exemplo do caso judicial Sturges end Bridgman, em que
um fabricante de doces barulhento é vizinho de um médico silencioso, que tem
seu trabalho importunado por aquele, tal que ambos foram à justiça para
determinar quem deveria se mudar. Aqui iremos prescindir de cálculo
econométricos para explicar a solução do problema, apenas sinalizaremos que a
solução mais adequada será sempre aquela buscada entre as partes, pressupondo
aquelas condições apontadas anteriormente.
Transportando esse princípio econômico jurídico para as
relações de mercado típicas de uma economia neoliberal, a mensagem é clara:
socializar os custos, mas, obviamente, manter os lucros privados, afinal de
contas, para o mercado isto é algo inquestionável. Quando algum agente do
mercado é forçado pelos tentáculos do estado a indenizar outro agente a quem
causou dano, isso, segundo a doutrina jurídica neoliberal, causa danos a toda
sociedade, altera todo o sistema de preços, por isso pouco eficiente.
Eficiência, aqui, é eufemismo para prejuízo privado, para responsabilidade
fiscal, econômica, moral. Socializar os custos, algo concreto, em nome de um
benefício social mais amplo, algo abstrato, é uma estratégia econômico jurídica
tanto genial quanto perversa. O léxico do capital é nesse tipo de estratégia
narrativa que obnubila os verdadeiros custos sociais em nome da acumulação do
lucro privado.
Se em 1910 houvesse um curtume no subúrbio de Londres
liberando substâncias venenosas que intoxicassem as crianças do local, muitos
na Inglaterra teriam se preocupado em proteger seus habitantes dos crimes que
muitas atividades industriais causam no seu entorno. Mas nesse tempo, entre
1880 e 1914 os tentáculos do domínio colonial britânico estavam sobre a Índia
(incluindo o Paquistão e Bangladesh), a Birmânia, a Malásia, a Austrália e Nova
Zelândia e arquipélagos do Pacífico, sobre o território africano entre o Cairo
e o Cabo e ainda detinha concessões na China, no Canadá e em parte das
Caraíbas. Era lá que os resíduos de suas atividades industriais, da segunda
Revolução Industrial, intoxicavam impunemente seres humanos longe da metrópole.
Mas se Ronald Coase, aquele menino suburbano e pobre tivesse
sido uma vítima desse sistema que mais tarde ajudou a proteger talvez não
tivesse sobrevivido para criar a teoria que protegeu o sistema, edulcorando um
sistema sombrio que esconde a inequivalência ente direitos desrespeitados e sua
necessária responsabilização, entre o inequívoco direito de indenização por
danos sofridos e a obrigação de indenizar por parte de quem o causou,
independentemente do custo econômico que possa vir a acarretar. O pequeno
Ronald, se fosse uma criança da colônia, ao invés do império, teria sentido na
pele o fato de que o custo não é social, ele é pessoal, na prática a teoria é
sempre um pouco diferente. Sua teoria pressupõe compreender que o custo deve
ser como que diluído por toda sociedade, socializado. Sua teoria, seu Teorema,
é o corolário da economia jurídica neoliberal, onde o custo é social, mundano,
real; já o lucro, desse não se fala, pois é privado, intocado e sagrado.
BIBLIOGRAFIA
BUENO, Newton Paulo. Contribuições da Nova
Economia Institucional à Pesquisa em História Econômica. EST. ECON., SÃO PAULO,
V. 34, N. 4, P. 777-804, OUTUBRO-DEZEMBRO, 2004. https://m5.gs/Qkc4ak acesso em 19/09/2022
CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada: a
estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica.. São Paulo: Editora
UNESP, 2004.
COASE, Ronald Harry. O problema do custo
social. THE JOURNAL OF LAW & ECONOMICS. Universidade da Virgínia, volume
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[1]
Arnold Plant (1898-1978), economista britânico, formado na London School of
Economics, lecionou na Universidade da Cidade do Cabo e, posteriormente, na
LSE. Sua obra clássica é "The Economic Theory concerning patents for
inventions", publicada em 1934.
[2]
Esse termo requer uma notação: embora praticamente todas as resenhas, análises,
interpretações do referido Teorema tratem nomeadamente dessa questão dessa
questão, esse termo não comparece no artigo original (COASE, 1960). A sua
utilização parece resultar da recepção ulterior que a Análise Econômica do
Direito fez da teoria original.
[3]
O ótimo de Pareto é um estado em que os recursos estão alocados da forma mais
eficiente possível. Também denomina-se Eficiência de Pareto o conceito
desenvolvido pelo italiano Vilfredo Pareto, que define um estado de alocação de
recursos em que é impossível realocá-los tal que a situação de qualquer
participante seja melhorada sem piorar a situação individual de outro
participante.
Ouve-se
dizer que Lacerda mencionava que Getúlio não podia sequer ser candidato. Se fosse,
não poderia ser eleito, se o fosse, não poderia tomar posse, se tomasse não
poderia governar. E essa foi mesmo a tônica da eleição, da posse e dos
primeiros anos do governo de Getúlio. Nunca teve sossego, o golpe sempre esteve
à espreita. A expressão “mar de lama” era largamente utilizada pelos opositores
do presidente Getúlio Vargas para designar a corrupção que teria caracterizado
seu segundo governo. As tentativas de derrubá-lo nunca cessaram. Em agosto de
1954 o velho caudilho ofereceu seu corpo suicidado e martirizado para deter o
golpe então em curso. Adiou. Diante daquela comoção popular não havia clima
político para concretizar um golpe contra a classe trabalhadora.
Mais
adiante, entre 25 de agosto e 7 de setembro de 1961, Leonel Brizola comanda a
Campanha da Legalidade contra uma tentativa dos ministros das Forças Armadas de
veto à posse de Jango, automática e constitucional, decorrente de uma carta de
renúncia de Jânio Quadros, provavelmente escrita depois de uma forte bebedeira.
A Campanha teve sucesso e mais uma vez a concretização do golpe em curso foi
adiado.
Assim,
ao tentarmos compreender o “Golpe de 64” não podemos prescindir de um
escrutínio minucioso de suas distintas “fases” (anteriores e posteriores) que
percorrem um tempo histórico de aproximadamente 18 anos: eleição democrática de
Getúlio em 1950, seu suicídio em 1954, a Campanha da Legalidade em 1961, o
Golpe propriamente dito em 1964 e seu recrudescimento, com o Ato Institucional
nº 05, em dezembro de 1968.
Creio
que, pelas mesmas razões, para compreendermos o golpe em marcha no Brasil nesses
meados de 2022 devemos retroceder até a eleição de Dilma Rousseff em outubro de
2010. Para que cada fase dessa análise ganhe contornos conceituais tomo de
inspiração a criativa nomenclatura criada pelo jornalista conservador Elio
Gaspari ao nomear as distintas fases da Ditadura Militar-Empresarial decorrente
do golpe de 1964: “A ditadura envergonhada”, enquanto ela não se assumia como
tal; “A ditadura escancarada”, sua fase mais brutal; “A ditadura derrotada”
pelas eleições de 1974; “A ditadura encurralada” pela abertura política e “A
ditadura acabada” pelo governo de transição do general Figueiredo entre 1978 e
1985.
Chamo
de “golpe encapsulado” o tempo decorrente entre a primeira eleição de Dilma e
os movimentos de junho de 2013. A partir daí denomino de “golpe edulcorado” o
interstício temporal que pinta o golpe com as cores falsamente benévolas da
revolução colorida em curso no Brasil. Em 2016, com a derrubada de Dilma, num
golpe sórdido, midiático, parlamentar, misógino, “com Supremo e com tudo”, o
impeachment toma os contornos de um “golpe legalizado”. Dois anos depois, com a
eleição ilegítima de um títere dos valores sociais mais deletérios, um
espantalho miliciano com cérebro de chimpanzé, tem-se o “golpe
institucionalizado” em toda sua plenitude. Quem não for homem, branco, social e
economicamente bem situado compreende com muita facilidade qual o sentido da
eficácia do funcionamento das instituições no transcurso desse golpe atualmente
em marcha.
No
instante mesmo da eleição de Dilma Rousseff à sucessão dos dois governos de
Lula iniciou-se o “golpe em câmera lenta”, nas palavras de Vladimir Safatle.
Obviamente sempre houve conspirações contra um governo que a despeito dos
ganhos financeiros da burguesia, sempre demonstrou uma aguda sensibilidade com
as camadas mais pobres da sociedade, com os trabalhadores, com a educação, com
a democracia, com a institucionalidade. No entanto, como alerta Alysson Mascaro
em “Crise e Golpe”, o golpe foi quantitativo e não qualitativo na medida em que
se trata materialmente de um “rearranjo no seio da concorrência entre frações
do capital internas e internacionais” sumariamente compreendido como “um golpe
de classe burguês contra as classes trabalhadoras” (MASCARO, 2018. p. 91). Explico.
De conjunto, as mesmas forças que atuavam nos interstícios do poder continuaram
sua atuação. O que alterou substancialmente foi a relação entre capital e trabalho,
entre burguesias (mercado financeiro, agronegócio, ramo industrial) e a classe
trabalhadora. É um modelo de golpe que “mais atualiza suas possibilidades que
propriamente altera suas bases” (ibidem). Em resumo, o que mudou não foi a
qualidade do regime político econômico, mas sim, a quantidade de mais valor da
força de trabalho que as burguesias extraem da classe trabalhadora, via
reformas trabalhista e previdenciária, austericído fiscal e corrupção
normativa, isto é, normatizada por aparatos legais antidemocráticos formalmente
legais e essencialmente corruptos, pois corrompem o pacto burguês democrático.
O
golpe ali já está latente, mas encapsulado, portanto, não visível! Só o tempo
decorrido desde então nos permite vê-lo com nitidez. Havia já desde então um
golpe em curso no Brasil. No entanto, ele eclode de seu casulo com as
manifestações de junho de 2013. Ali o golpe aparece para o público em todo seu
esplendor, mas edulcorado com as tonalidades benévolas de uma revolução
colorida pretensamente espontânea e apartidária, “pelo Brasil”, sem bandeiras. Ora,
sou de uma geração que lutou para tê-las, tenho 51 anos e vivenciei na escola
os anos derradeiros da Ditadura civil militar, quando não eram possíveis os
direitos políticos. Portanto, sempre entendi como temerárias as ações e os
discursos da narrativa chauvinista, ufanista e messiânica dos movimentos
iniciados naquele junho de 2013.
Foram
precisos três anos de maturação para que o golpe edulcorado pela revolução
colorida incorporasse um cariz de legalidade. O gângster que presidia a Câmara
soube identificar o momento mais favorável para pautar a votação do impeachment
da presidenta Dilma, eleita democraticamente e derrubada por um golpe
legalizado pelas instituições que sempre funcionaram, se bem que somente em
favor de quem lucra com a mais valia extraída da classe trabalhadora. É
simbólico que o mentor do golpe, e seu principal beneficiário, assumindo o
cargo da presidência, seja um consagrado professor de Direito Constitucional. O
golpe está então legalizado, é saudado pelas classes dominantes, pela mídia
burguesa, venal, de cativeiro, pode-se então chama-lo de impeachment. Um crime
perfeito!
No
entanto, o serviço ainda não está acabado, é preciso ainda institucionalizá-lo,
recolocar a democracia nos trilhos, deslizar de um governo de transição, para
um governo que tenha votos para chamar de seus. O golpe institucionaliza-se em
2018 com a eleição de alguém disposto a implantar a agenda ultraliberal, internamente
tocada pela lúmpem burguesia nacional, associada e à serviço do capital
internacional. Reconheçamos que não foi uma tarefa simples. Para tanto, as
classes dominantes, à custa do sequestro das Instituições, prenderam
inconstitucionalmente o candidato que as pesquisas sinalizavam na época como
vitorioso, impediram-no até mesmo de falar, com medo de que sua voz, rouca e
perigosa, reverberasse nos ouvidos da classe trabalhadora fazendo-a votar no
candidato comprometido com interesses populares. O juiz responsável pela
prisão, recebeu, como prêmio, o cargo de Super Ministro da Justiça no governo
do candidato beneficiado com seus julgamentos espúrios. Tanto o ex-juiz, como
suas sentenças e o próprio processo, tempos depois, foram considerados
suspeitos e sem validade jurídica pela Suprema Corte brasileira, decisões essas
confirmadas por tribunais internacionais de justiça.
Não
houve eleição em 2018. O que ocorreu foi um protocolo eleitoral chancelado pelo
STE a despeito de suas ilegalidades. Nesse sentido, somos governados atualmente
por um governo sem nenhuma legitimidade, decorrente de um processo eleitoral
eivado de ilegalidades. E tudo isso dentro do campo institucional. É por isso
que denomino essa fase de golpe institucionalizado. No atual momento da
sociedade brasileira, muito se tem discutido se as Instituições estão
funcionando no sentido de garantir a democracia ou se estão capitulando frente
a uma investida contra as garantias democráticas, mesmo que formais e burguesas.
Alerto
aqui que muitos intelectuais tem a impressão de que elas estão funcionando
porque eles não figuram entre uma das quase um milhão de vítimas da Covid-19;
porque não são profissionais da saúde que trabalham sem EPI nos postos de saúde
pelo Brasil, porque suas avós ou netas não moram num acampamento do MST, ou
numa aldeia indígena, achacados pela retórica de ódio do governo; porque não são
professores da escola básica obrigados à precariedade do ensino remoto ou ao
temerário retorno da voltas às aulas presenciais; porque seus filhos ou filhas
não são balconistas no setor comerciário severamente expostos às perdas de
direitos trabalhistas, porque não ficaram presos sem provas por 580 dias,
porque não foi seu neto ou neta que morreu sem ter recebido de volta o tablet
tomado por um juiz parcial e corrupto; porque não depende do auxílio
emergencial para se (sub) alimentar, porque não foi condenado por “atos
indeterminados”. Do patamar de onde esses intelectuais veem o mundo as
Instituições parecem mesmo estar funcionando. Falo “parecem” à luz da história,
em outros tempos as sociedades demoraram em perceber a corrosão das
Instituições democráticas, e, quando perceberam, já era tarde demais! A Itália,
por exemplo, levou 5 anos para imergir no fascismo; a Alemanha mergulhou nele
em apenas 5 meses. E essa diferença se deu porque a crise nos anos 30 era mais
aguda do que na década anterior. Hoje, estamos imersos numa aguda crise
humanitária, econômica e política. A profundeza do nosso abismo é que ditará o
ritmo que nos levará à próxima fase do golpe em curso, ao fascismo aberto.
As
Instituições pararam de funcionar desde muito tempo! Pontualmente, quando um
deputado do “baixo clero” elogiou um torturador, facínora e abjeto, e não saiu
daquela Casa preso. As Instituições hoje apenas reagem, tentando se reerguer
das ruínas que se tornaram. O que os intelectuais burgueses chamam de
funcionamento pleno das Instituições democráticas, em verdade, não se trata da
ação delas cumprindo suas prerrogativas, de suas atribuições (justiça, saúde,
educação, segurança), o que elas fazem é política! E o fazem em favor daqueles
que as aparelharam ao seu favor e benefício. Assim, do ponto de vista da
democracia, elas sobrevivem artificialmente, como se estivessem sufocadas pelo
golpe em marcha.
Diante disso, uma pergunta: qual o próximo ato desse golpe em marcha no Brasil? Temos a oportunidade de interrompê-lo em 2 de outubro elegendo Lula no primeiro turno. A eleição de Lula em 2 de outubro será um primeiro degrau de uma longa escadaria que tentaremos subir nos próximos anos. Um virtual e possível próximo governo Lula terá novamente a tarefa de retirar o Brasil do mapa da fome. Possibilitar à classe trabalhadora sua reorganização, promover o reascenso das massas, autônomas e emancipadas para decidirem os rumos da política econômica. Caso contrário, mergulharemos num abismo sem fim cuja perspectiva é imprevisível. Mesmo em um possível segundo turno há o perigo de uma escalada de violência civil sem precedentes. Se for isso, não faço ideia de qual verbo no particípio passado nominará o próximo ato do golpe em curso. Mas a eleição de Lula no próximo 2 de outubro certamente imporá um intercurso ao golpe em marcha, e aí, talvez, poderemos denominar o próximo ato de golpe interrompido, cancelado, derrubado. Para marcar posição, precisamos antes estar vivos, e nossa vida, nesse momento, depende da eleição de Lula em primeiro turno no próximo dia 2 de outubro.
Publicado (com algumas alterações) na Revista Úrsula em outubro de 2022
https://revistaursula.com.br/politica/como-interromper-o-golpe-em-marcha-no-brasil/
No dia 13 de abril postei esse vídeo no FaceBook. Depois de ficar 40 minutos na parada de ônibus, quando desci no centro gravei esse vídeo
No dia seguinte, recebi essa mensagem direta de uma rádio local, através de um preposto, tomando satisfações sobre o conteúdo
Bom dia professor.Me chamo Rafael Menezes, sou repórter do Grupo Diário. Vimos o seu vídeo sobre as condições do transporte público.Gostaríamos saber sua opinião por ser um professor universitário a respeito do vídeo publicado nas redes sociais onde é citado que a classe trabalhadora e estudante devem atear fogo nos ônibus. Justamente essa parte da fala que tem gerado repercussão e polêmica.O senhor sendo um professor universitário acredita que essa seja a alternativa para a melhoria do transporte público?Se possível nos encaminhar um texto com sua opinião e as respostas para o fato citado.Seu nome completo, idade e ocupação?Abraços e tenha um bom dia.
olá Rafael, respondendo sua questão, é importante começar ressaltando que o fogo possui uma simbologia histórica marcante. Ele é um "simbologismo" político claro. Quem não lembra da Bastilha em chamas, imagem icônica que marca o início da Revolução Francesa, dia 14 de julho de 1889, quando a burguesia liberal põe fogo no símbolo do poder nobreza e clero? Quem também nunca estudou que as mulheres, consideradas impuras e perigosas eram incendiadas pela Igreja Católica, as chamadas Bruxas, como símbolo de seu poder e dominação sobre o conhecimento e controle do corpo feminino. Há também uma dito, um chavão, corrente nos meios "antifas", quando dizem "fogo nos fascistas", no sentido de enfrentá-los, combatê-los, seja com argumentos, seja mesmo na contenção física da violência do fascismo. Por tudo isso, sim, o "fogo" é um símbolo político que compõem uma retórica de luta e enfrentamento, por vezes real, por outras simbólica, do direito de resistir contra qualquer forma de opressão. Nesse sentido, entendo que o transporte público de Santa Maria, do qual sou usuário, é de péssima qualidade por basicamente duas razões: de um lado o total controle de setores do empresariado logístico sobre o setor. Um setor composto por burocratas que, no geral, jamais tomou um coletivo. Faltam linhas, as que existem estão sucateadas, não há respeito com os usuários, basicamente, trabalhadores e estudantes; por outro, a falta de organização da classe trabalhadora e do meio estudantil, historicamente enfraquecidos pela despolitização de suas formas organizativas, o Movimento Estudantil, os Sindicatos, os Movimentos Sociais, enfim, a sociedade civil organizada. Por todas essas razões, reafirmo que enquanto essas formas organizativas não retomarem suas agendas de luta, em especial pelo transporte público e de qualidade, o empresariado continuará oferecendo um serviço que mais se parece com transporte de "carga viva". Enquanto não houver reascenso da lutas populares, enquanto os estudantes e os trabalhadores organizados não puserem "fogo na situação" continuaremos sem haver contraponto aos setores ricos que governam Santa Maria.
Reafirmo, parecem estar provocando desconforto intencionalmente para constantemente aumentar o valor da passagem sem nenhuma melhoria no serviço ou sequer manter as obrigações já têm.
Um desses dirigentes do comércio e da indústria local nunca tomou um ônibus na vida, nunca voltou pra casa tarde da noite precisando do transporte coletivo ou do serviço público, suas mentes brilhantes só vislumbram os lucro$ que auferem transportando seres humanos como se fossem gado, gado humano.
Eles sabem o que fazem. Transformam gente em gado porque é de gado que eles precisam para votar neles.
Um grande abraço, satisfação em contribuir.
Guilherme Howes
51 anos
Professor de Teoria Social e Ciência Política
at.te,
Conclusão: A burguesia se considera a única usuária legítima da prática e da retórica da violência | Quando ameaçada envia seus prepostos.
A lumpemburguesia local, face mais lacaia e mais covarde do rebotalho do empresariado regional, é que detém o controle do transporte público local. Maximizam lucros humilhando a classe trabalhadora, se manterão enquanto os estudantes e os trabalhadores não reagirem à altura!
Nunca mais responderam...
Na semana seguinte, mais uma patacoada do transporte de carga viva no transporte público de Santa Maria