domingo, 12 de junho de 2016

Questão/pauta: O que seria da cidade de Santa Maria, se não houvesse a Universidade Federal?

Publicado (trecho) no Jornal diário de Santa Maria, dia 09 de junho de 2016.
Quando pergunto aos meus alunos – se são de Santa Maria? muitos deles respondem: – não, não sou daqui, sou do “interior”! esta resposta, embora singela, remete à maneira como as pessoas, que para aqui migram, imaginam a condição de sua localização. A de um centro, de uma referência, de um lugar relevante, de uma capital mesmo. Porém, Santa Maria é também uma cidade do interior. Do interior geográfico e de uma periferia política e cultural da realidade estadual e nacional. Esta “interioranidade” se reflete nas maneiras como a cidade se reproduz socialmente, como se administra, na forma como se pensa como cidade. Vivemos, portanto, em uma cidade, que se expandiu como uma grande cidade, porém guarda em seu “dna” social – na mais íntima maneira como se imagina, se pensa, produz as relações sociais em seu interior (uma espécie de “ethos”, uma cosmovisão, uma maneira de se posicionar diante do mundo); como uma cidade do interior – e tudo que lhe é característico. Com tudo isto que trouxe para apresentar uma primeira impressão, quero dizer que somos uma cidade “universitária” – que imagina ter uma vocação para o ensino (contando-se também com todas as instituições privadas...), mas que na verdade, não realizou efetivamente todo o cosmopolitismo e toda a universalidade cultural, econômica e social que a presença de uma universidade poderia ter construído. Primeira conclusão: a Universidade não universalizou a cidade tanto quanto os próprios habitantes imaginam que o tenho feito.
Santa Maria vive os mesmos e grandes problemas das médias e grandes cidades que tem ou não a presença de uma universidade. Questões como a mobilidade urbana, a criminalidade, o êxodo rural, a falta de planejamento político/estratégico, e ineficiência na saúde, entre outros, grassam à margem da quantidade de conhecimentos produzidos do lado de dentro do “arco” da Avenida Roraima. Ter uma Universidade – comprometida coma a extensão e com a pesquisa (além do ensino), não parece ter tido um papel decisivo no desenho, nas decisões políticas, nas questões de assistência, que afetam toda a sociedade. Conclusão nº dois: nas questões concretas da ordem social, não parece que a Universidade tenha contribuído. Sem ela, possivelmente não viveríamos em uma realidade tão diferente.
Quando, nos anos 1950 e 1960, foram-se construindo as bases sobre as quais se erigiu a Universidade Federal, e mesmo nas décadas seguintes, quando ela se consolidou e se ampliou, o crescimento da população da cidade aumentou em taxas extremamente acima da realidade estadual. Porém, enquanto desde os anos 50 até aqui a população da cidade pouco mais que triplicou, a população brasileira quadruplicou. Portanto, chego à terceira conclusão: a Universidade constitui-se muito mais como um lugar de passagem, daqueles que por aqui buscam formação, do que um ponto de referência fixo, onde vislumbrem um futuro profissional promissor. O impacto econômico que esta passagem causa, não é – e nunca foi, historicamente suficiente para transformar efetivamente a realidade social da cidade.
Analisando contextualmente as Universidades públicas instituídas no interior brasileiro, pode-se logo de início afirmar que as Universidades não são nem a causa, nem a força motriz, nem aquilo que dispara direta e imediatamente, qualquer índice de desenvolvimento econômico (e populacional) de qualquer cidade. Elas são, na verdade, muito mais uma resposta, uma consequência, um resultado, de todo este cenário. Conclusão nº quatro: sem a Universidade, a cidade de Santa Maria seria pouco diferente. Haveria, pelos dados de hoje, 30 mil pessoas a menos – e tanto menor seria seu impacto na economia local, e provavelmente nada muito mais do que isto. Não há na cidade sequer um local para – a cada ano, os novos “bixos” realizarem as confraternizações de início das aulas. Não há – e nunca houve historicamente, de parte do poder público, uma preocupação com uma agenda que concretamente atendesse às pautas da comunidade universitária. Não há transporte público decente, nos finais de semana, que é quando os estudantes (e os trabalhadores) vivem suas horas de lazer, os ônibus praticamente desaparecem. Quando entra em discussão o preço da passagem urbana municipal, os administradores (para não dizer “donos”) do transporte público atribuem à gratuidade estudantil, o maior “fardo”, um verdadeiro peso incômodo e indesejável, causado pelos estudantes. Aufere-se disso, que os estudantes muito mais atrapalham a economia do que a ela agregam. O poder público deveria orgulhar-se deles (dos estudantes) ao invés de recorrentemente atribuir-lhes a culpa pela sua própria inoperância e incompetência. Parece, assim que a Universidade, e seus estudantes, atrapalham a economia local!
Sem dúvida, de toda expansão, desenvolvimento – social, político, econômico e cultural da região central do Estado, e da cidade de Santa Maria propriamente dita, a Universidade Federal foi um dos elementos que contribuíram para este desenvolvimento. Última conclusão: esta contribuição, por tudo que foi apresentado até aqui, parece não ter sido tão ampla quanto alguns ufanistas costumam afirmar por aí. A Universidade sem dúvida marcou e marca efetivamente a sociedade de Santa Maria, entretanto se observarmos os dados mais concretamente e sem um compromisso – “politicamente correto”, de ser otimista, veremos que a relação entre a Cidade e sua Universidade, é muito mais superestimada do que concretamente realizada. Sem a Universidade, Santa Maria seria certamente diferente do que é hoje, porém seria muito mais ainda, se todo conhecimento produzido do lado de dentro do “arco” fosse compartilhado com toda comunidade: na educação, na saúde, na segurança pública, na mobilidade urbana, no desenvolvimento humano propriamente dito.