quarta-feira, 27 de abril de 2016

Ptucano

O professor da Universidade Federal de Juiz de Fora Gilberto Vasconcellos chamou de consórcio “Ptucano” o sistema político brasileiro em que não há distinção entre os partidos que estão à esquerda ou à direita, da ação e da concepção, de como se deve fazer e pensar a política.
Quando o PSDB instituiu as políticas do Plano Real, levou à exaustão suas possibilidades, super endividamento do Estado, privatização, precarização do trabalho, ampliação da dívida pública, aumento de impostos, etc. Quando o ex-presidente Lula assumiu o governo, a população desejava uma ruptura com aquelas políticas, mas ao contrário do que se esperava, o PT deu continuidade àquele sistema, e ainda pior, o fez recrudescer. Recentemente, a presidenta Dilma, parecia rechaçar as teses tucanas. Porém, ao nomear Joaquim Levy para a economia, a presidenta levou para seu governo as mesmas teses de Arminio Fraga, que seria o futuro ministro de Aécio Neves, se o PSDB tivesse vencido as eleições.
O que significa tudo isso? Significa que não tem muita importância “em quem” o eleitor vota, pois o sistema “Ptucano” já está absolutamente de acordo no essencial. As diferenças entre ambos estão tão somente nas aparências. É certo que os governos do PT possuem uma certa sensibilidade social, implantando programas assistenciais como o Bolsa Família por exemplo, o seu mais importante programa social. Mas ele não chega a 1% do PIB brasileiro. As políticas sociais hoje processam uma digestão moral da pobreza, distribuído miseravelmente um pouco da renda para os pobres e garantindo o essencial da riqueza para o grande capital.
Diante dos índices de dois dígitos de desempregados, somado ao colapso da crescente concentração de renda, o sistema parece estar andando para o extremo de sua crise. Isto aparece como uma crise de corrupção, no entanto ela é muito mais profunda. Enquanto a direita e a esquerda transformam a briga num espetáculo televisivo, nenhuma delas parece disposta a mexer no essencial, quem produz a riqueza é quem deve se beneficiar dela.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

21 de abril

No dia 21 de abril de 1993, 67 milhões de eleitores brasileiros votaram para determinar qual seria a forma e o sistema de governo do país a partir dali. Naquele dia escolhemos a República como forma de governo, derrotando a Monarquia por mais de dois terços dos eleitores; e a o presidencialismo como sistema de organizar o poder republicano, derrotando o modelo parlamentarista com pouco mais da metade dos votos. Eu, na época, julgava ser uma república parlamentarista, a forma e o sistema de governo mais coerente para o país.
O parlamentarismo é representado pelo parlamento nacional; os poderes executivo e legislativo são, portanto, interligados nesse sistema de governo. Em um sistema parlamentarista, o chefe de Estado é normalmente uma pessoa diferente do chefe de governo. Já o presidencialismo, é um sistema de governo onde um chefe de governo exerce também a função de chefe de Estado e lidera o poder executivo, que é separado do poder legislativo. Temos neste último a figura da presidência da república.
Em nossa história, já então havíamos vivido todas as experiências sobre as quais estávamos deliberando naquele plebiscito. Fomos uma monarquia, éramos uma república; vivemos breves períodos de parlamentarismo, éramos presidencialistas. Pensávamos saber, portanto, na época, qual era a melhor escolha a fazer. Talvez não seja isso que tenhamos feito.
Hoje, 23 anos depois daquela inédita experiência de exercício da democracia, penso ter revisto meu ponto de vista. Diante do espetáculo dantesco, proporcionado pelo nosso Congresso no último domingo, protagonizado por uma miríade de deputados idiotas, fanáticos, mal-intencionados, à exceção de raríssimos representantes, percebo que o melhor foi mesmo não termos optado pelo parlamentarismo. Se o tivéssemos feito, seria esta Câmara, de representação lamentável, em vez do voto direto da população, quem escolheria aqueles que governam nossa vida política. Estaríamos desesperadamente ainda mais reféns de um Congresso inepto, medíocre e irresponsável. Publicado no Jornal Diário de Santa Maria, Página 4 Opinião, em 21 de abril de 2016.

terça-feira, 12 de abril de 2016

O inexplicável!

Vivemos em um país difícil de explicar. Parece haver por aqui uma tendência histórica a mover os acontecimentos de forma inexplicável. Quem bem captou este traço da nossa cultura foi Ariano Suassuna, em sua peça teatral "Auto da Compadecida", quando a personagem covarde e mentirosa, Chico Chicó, diante das dificuldades de explicar os acontecimentos, apenas afirmava “não sei dizer como foi, só sei que foi assim! ”
Assim será, para as gerações futuras, explicar o atual momento que vivemos em nossa política. Estamos diante da votação do impedimento da Presidente da República, um agente público que não responde por nenhum processo diretamente dirigido contra ela, e que terá votado seu impedimento por outros agentes, igualmente públicos, mas que, de forma inacreditável e inexplicável, respondem a processos por improbidades e irregularidades.
O professor de História da América da Universidade Estadual de Campinas Leandro Karnal afirma que vivemos num país de “impossibilidades ilimitadas”, e de difícil compreensão e explicação. Por aqui, a Independência foi feita por um príncipe português, de quem éramos dependentes; cuja proclamação da República foi feita por Deodoro da Fonseca, um monarquista histórico; cuja revolução anti-oligárquica de 30 foi levada a cabo por um dono de fazendas oligarca, que foi Getúlio Vargas; a redemocratização da ditadura feita por um líder do partido da ditadura, que foi Sarney; e a implementação de um Estado Liberal foi consolidada por um operário socialista, que todos sabemos quem é. Ou seja, é um país cuja explicação foge a qualquer senso lógico.

Da mesma forma, se em 1964, o golpe perpetrado contra o governo ficou conhecido como “civil-militar”, desta vez não há uma nomenclatura facilmente explicável. Quem investe contra o Estado é o próprio Estado. A tentativa de derrubar o Governo parte do próprio vice-presidente, passa pelo Poder Judiciário e se espraia na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Se no futuro tentarmos explica-lo, teremos de fazer como Chico Chicó, e dizer: não sei dizer como foi, só sei que foi assim!
Publicado no Jornal Diário de Santa Maria (12/04/2016)