quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O preço da democracia

Comumente vemos as pessoas reclamarem dos políticos, da sua inutilidade, de sua perfídia, e de que ganham demais. Vivemos em um sistema democrático onde estes sujeitos elegem-se como representantes de seus eleitores e cabe justamente a todos, cobrar que o trabalho que eles realizam, em nossos nomes, seja o mais honesto, produtivo e bem remunerado possível. Ou seja, a democracia é um regime de governo extremamente oneroso.
Data dos meados do século 19 a conhecida “Carta do Povo”, um documento entrege pelos operários e artesãos ingleses ao Parlamento, exigindo vários pontos que viessem a fazer avançar o seu sistema político. Pediam o voto universal, a igualdade entre os distritos, o voto secreto, eleições anuais, a equidade da representação, e vejam só: a remuneração para os membros do parlamento.
É deste tempo a ideia de que a representação política, em um sistema verdadeiramente democrático, deveria ser paga. O pagamento aos políticos, representantes do povo e de seus distritos, significou uma conquista social que perdura até os dias de hoje. Com isto, a atividade política representativa tornava-se possível não mais só para os mais abastados, ricos industriais, proprietários de terras, que podiam sustentar-se com suas rendas, enquanto exerciam atividades parlamentares. Mas sim também para aqueles que precisavam interromper suas atividades laborais na artesania e no operariado deixando de receber sua remuneração pelo trabalho. Isso, em boa medida, equilibrava as forças entre os mais ricos e os mais pobres, e promovia uma significativa representação política às classes trabalhadoras.

A democracia é também um sistema de organização do poder extremamente complexo. Requer instâncias organizativas muito hierarquizadas em alguns momentos e equalizadas em outros. Isto a torna um sistema caro, oneroso aos cofres públicos, custoso do ponto de vista da gestão. Quando clamamos por liberdade, igualdade, segurança e tanto mais, devemos saber que o único modelo que historicamente tem-nos apresentado estas qualidades é a democracia. Mas ela tem os seus defeitos, seu custo, e devemos saber geri-lo e conviver com ele.
Publicado no Jornal Diário de Santa Maria de 24/11/2015

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Artesãos e operários

Compreender a diferença entre o trabalho de um artesão e o de um operário nos diz muito sobre a forma como nos organizamos, como trabalhamos e como fazemos educação nos dias de hoje. O trabalho aqui esta pensado como o meio pelo qual nos tornamos humanos, e a essência através da qual nos educamos.
O trabalho humano de um artesão é um tipo de atividade criativa, humanizadora e absolutamente educativa. O artesão aqui está compreendido como aquela ou aquele sujeito que ser realiza naquilo que faz, se humaniza enquanto faz, por que o faz de forma criativa, realizando plenamente sua condição humana por meio do seu trabalho. Educar vem do latim “educcere”, que significa tirar de dentro. Isto é, fazer aflorar dos sujeitos aquilo que lhe é mais peculiar, próprio, sua própria essência humana.
Por milênios a humanidade realizou-se de forma livre, interagindo diretamente com a natureza e retirando dela os meios para sua subsistência. Realizando com ela um processo de ação e criação completamente espontânea e integrada. Assim foi em todas as sociedades humanas conhecidas e estudadas enquanto o trabalho humano de uns, não estava sujeito ao controle ou à propriedade de outros.
Nos últimos séculos, e sobretudo com a Revolução Industrial, aquele trabalho artesanal, criativo, espontâneo, livre e educativo, realizado pelos seres humanos enquanto realizavam a sua própria condição humana, passou rapidamente a ser controlado, ordenado e orquestrado por aqueles que detém o controle do capital. Da espontaneidade, da liberdade e da criatividade do trabalho de um artesão, como um músico solista, polifônico, que cria e executa sua própria criação e se realiza nela, passou-se a um modelo de execução orquestrado, sinfônico, padronizado, onde o músico limita-se a executar movimentos previamente determinados e sincronizado aos demais. Como uma ópera, este novo modelo de trabalho deixa de ser artesanal e livre, tornando-se operário e estranho à sua própria condição humana.

Portanto, o trabalho operário, aquele que se limita a executar movimentos predeterminados como em uma ópera, jamais poderá educar os seres humanos. Como também só pode ser educativo um tipo de trabalho que valorize a criação livre e a realização humana.