quarta-feira, 30 de março de 2016

O golpe é simbólico

Quando afirmamos que algo é simbólico pensamos estar-nos referindo a algo abstrato, imaterial, sem uma relação direta com a realidade concreta. No entanto, não é bem assim. A expressão “simbólico” é uma junção do prefixo sin, que remete à confluência, conjunção; e do radical bollé, que vem do grego, e significa matéria. Portanto, tudo que é simbólico em uma sociedade é justamente aquilo que carrega consigo toda concretude e toda materialidade convergidos em elementos socialmente construídos. É aquilo que sintetiza concretamente, tudo que o determinou ser como tal.
É neste sentido que estou considerando os atuais ataques de setores conservadores à presidência, ao governo e a tudo o que ele significa. Obviamente este atual governo é um verdadeiro desastre administrativo e político. Mas há que se ressalvar, que em meio a tudo isso, este governo trouxe como direitos aquilo que muitas vezes eram dados como benevolência e favor. O valor simbólico que teve um trabalhador na presidência e como isso pesou simbolicamente nas massas pobres neste país ainda não é possível mensurar. É uma pena que este cidadão não dimensione o tamanho do porte histórico que teve. Dentro de alguns anos quando olharmos pra trás não veremos apenas os desastres, mas enxergaremos os ganhos significativos que foram feitos pelos mais depauperados.
O governo atual não prejudica nenhum grupo econômico, nenhum monopólio, nenhuma megacorporação, nenhuma oligarquia. O que temos posto é a intolerância de classe. O que está em questão não é nem a presidência nem mesmo o próprio governo como um todo, mas a figura simbólica do ex presidente extremamente envolvido em manobras que não consegue explicar licitamente. Contra ele a justiça de classe, elitista e reacionária irá se abater com toda sua ira e seu poder.
Não nos deixemos enganar pela espuma que boia na superfície do rio remexido, mas nos concentremos nos movimentos profundos do rio caudaloso que faz emergir aquela espuma. O golpe em marcha não é pelo governo, mas pelo poder simbólico que as elites conservadoras buscam retomar. (Publicado parcialmente na Zero Hora dos dias 03 e 04 de abril de 2016 no espaço Opinião do Leitor).

sexta-feira, 18 de março de 2016

Medo e decepção

No início dos anos 2000 o Brasil elegia seu primeiro governante cujas origens eram diferentes de todas as que lhe haviam precedido. O slogan daquela campanha era o de que a esperança houvera vencido o medo. Havia no país um clima de euforia, de renovação e o sentimento de que finalmente tínhamos encontrado o rumo certo.
Mas em que consistia esta esperança? Ora, na expectativa de que o novo governo implantaria reformas estruturais profundas, no sentido de mitigação das desigualdades, de combate à fome, de inserção econômica de populações historicamente desfavorecidas, de moralização, de uma verdadeira ascensão dos “de baixo”, para usar uma expressão do sociólogo Florestan Fernandes. Por contraste, o medo que houvera sido vencido pela esperança, era uma uma referência à superação do receio de parte da população brasileira de uma extrema virada à esquerda. De que um governo menos dependente das elites econômicas pudesse mexer em estruturas nunca antes tocadas, na propriedade, na distribuição de renda, no fim de privilégios, na ampliação de direitos sociais e da soberania popular.
Nem uma coisa nem a outra. Aquilo a que muitos temiam sequer iniciou. A distribuição de renda nunca passou de insipientes programas de governo que nunca se institucionalizaram, o bolsa família, por exemplo, não passa de 1% do PIB. Aparelhou-se a máquina pública em detrimento da classe trabalhadora, constituíram-se alianças espúrias idênticas às que historicamente marcaram nossa história nacional, mantiveram-se os compadrios e os conchavos com a burguesia subalterna nacional, atendendo aos ditames do capital financeiro internacional. A decepção venceu a esperança!

Cá estamos nós, estupefatos. Incrédulos frente aos acontecimentos que nos colocam diante da incerteza e do medo. Novamente o medo, porém agora renovado e reaceso diante do perigo assustadoramente danoso de as velhas elites conservadoras reassumirem o poder. Aqueles em quem o país depositou as esperanças não souberam se conduzir no poder. O medo agora, e pontualmente este é o risco, é de que uma população decepcionada faça as piores escolhas. (Publicado no Diário de Santa Maria. Opinião: em 18 de março de 2016)