Na noite da última segunda-feira (22) o inquérito da Polícia Civil sobre a morte do engenheiro Gustavo dos Santos Amaral, em uma barreira da Brigada Militar em Marau, no norte gaúcho, em abril deste ano, inocentou o brigadiano que atirou no jovem de 28 anos. O delegado Norberto dos Santos Rodrigues entendeu que o policial confundiu o celular que o rapaz segurava, com uma arma. Por isso, para o responsável pela investigação, o que aconteceu naquele momento foi uma “legítima defesa imaginária”, sem nenhum indício de crime. Para o delegado houve um erro, uma série de coincidências infelizes, “uma tragédia, e ponto” aliado ao comportamento da vítima, que estava em pânico.
Procurei no Google uma definição do que fosse a tal “legítima defesa
imaginária”: descobri que ela é também chamada de “legítima defesa putativa”, e
remete ao fato de o autor imaginar estar em estado de legítima defesa, ao se
defender de agressão inexistente. Então tudo fez sentido! O imaginário não se
constrói no vazio, imaginamos com base nas vivências que temos, nas referências
imagéticas que guardamos na memória, construídas na materialidade da sociedade
em que vivemos.
A conclusão sobre a investigação desse crime revela todos os elementos
do que conhecemos como “racismo estrutural”, aquele racismo que não se nota
explicitamente, e por isso se passa desapercebido, que está nos interstícios da
convivência, que é chamado de outros nomes, nunca de racismo, mas é preciso
denunciar: é racismo em estado bruto!
Quando um delegado considera um crime de racismo (que é inafiançável)
como injúria racial (com pena mais branda), isso é racismo! Quando chamamos de
“mi-mi-mi” as reivindicações de pessoas cujos antepassados foram sequestrados
em um lado do globo e levados para outro lado e obrigados a trabalhar por mais
de 300 anos sem receber salário, isso é racismo! Quando um delegado branco,
conclui que um policial branco atira em um homem negro segurando um celular por
imaginar que ele está armado e representa “perigo”, isso é racismo!
Na conclusão do inquérito está condensada toda estrutura da sociedade
brasileira. Desigual, violenta, escravocrata e extremamente injusta. O indício
de crime é flagrante, o que o delegado considera “erro” e “coincidência
infeliz”, nada mais que “uma tragédia”, é a morte de mais um trabalhador que
morreu pela razão específica de que era preto, uma pessoa a mais na longa
história do genocídio negro brasileiro. Se, “vidas negras importam”, de fato, a
conclusão do inquérito da Polícia Civil deve ser denunciada como evidência
concreta de racismo estrutural, pois sequer imaginamos a sua perversidade!
Publicado no dia
25 Junho 2020 14:28:00
https://diariosm.com.br/colunistas/2.4254/leg%C3%ADtima-defesa-imagin%C3%A1ria-1.2238075
Nenhum comentário:
Postar um comentário