sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Entrevista sobre machismo Jornal Semanário setembro 2017

1. A estruturação da sociedade é determinante para que casos como esse se perpetuem?
Claro que sim. vivemos em uma sociedade historicamente patriarcal e portanto estruturada de forma masculina. 
2. Porque em muitos casos existe uma relativização e mais do que isso, uma naturalização de casos de abuso? 
Essa organização da sociedade de maneira patriarcal e masculina legitima social e culturalmente os abusos contra tudo que nela (sociedade) não está à altura de deste estatuto. É uma sociedade machista e misógina que vê todo corpo que não é branco, hetero e masculino, como objeto de dominação. Naturaliza-se a violência contra as mulheres sob a compreensão e o argumento de que são elas próprias as responsáveis e culpadas pelas violências a que são submetidas. 
3. Qual o papel do machismo enraizado na nossa sociedade nisso?
O papel do machismo é a reprodução e a perpetuação da dominação masculina sobre todas as mais diversas formas de viver a sexualidade e as identidades de gênero.
4. A violência, seja ela física ou psicológica, é determinante para o silenciamento das mulheres nesses casos? O que mais contribui?
O silenciamento, me parece, se deve a dois valores: a culpa e a vergonha. Ambos tem uma certa raiz religiosa cristã, que é preponderante na nossa sociedade deste tempo. Quando se sente vítima, e portanto deveria levar a público a violência que está sofrendo, as mulheres sentem culpa e vergonha da situação a que estão submetidas. Isso é decisivo para que silenciem (na maioria das vezes) diante de situações como essa.
5. Com tantos casos denunciados nos últimos dias pelo País (lembrando o de abuso no transporte público pelo ato de ejaculação na mulher), é possível afirmarmos que a Lei ainda trata as mulheres de forma como "culpadas" pelos atos que acontecem? 
Sim, a lei é um reflexo da sociedade que a elabora. Ao ser complacente, ou ainda tratando os casos de abuso e violência contra as mulheres como "crimes menores" ou desimportantes, chancela e reforça a violência. Legitima formalmente o corpo feminino como objeto da dominação de uma sociedade masculina. Se fosse uma lei elaborada por mulheres, que sentem no seu corpo a dominação e a violência cotidiana (desde um olhar até um estupro), seguramente preveria penas muito mais severas aos crimes de abuso e violência. Mas sabemos que são homens, majoritariamente, que legislam, desde sempre; e, portanto, não dimensionam (por estupidez ou ignorância) o que signifique a violência que essa mulher do relato sofreu.
6. É possível afirmarmos que a impunidade ainda é regra em casos com este? Pq? 

A impunidade é um fator, mas é muito mais consequência e sintoma do que a causa da violência. Há, anterior a tudo isso, formas sociais e culturais que perpetuam a dominação. A educação formal é machista, produz e reproduz a dominação masculina; a religião dominante é misógina, basta ver seus rituais, liturgias e símbolos; a mídia, da mesma forma, confirma e reforça os padrões masculinos e opressores da dominação... A saída para tudo isso é, acredito, ampliar os canais de debates e conscientização das diversas formas de violência. Trazer esses casos para as discussões públicas. Só assim, e com o tempo, é possível esperar que esse estado de coisas possa ser pensado desde um outro patamar. Um patamar que não naturalize ou silencie a violência; mas pelo contrário, identifique nela o que tem de "cirurgicamente" machista e misógino. 

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