segunda-feira, 30 de maio de 2011

A noção de estrutura em etnologia - Claude Lévi-Strauss

LEVI-STRAUSS, Claude. “A noção de estrutura em etnologia”. In. Antropologia estrutural. 5 º Ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.

Ao falar-se em estrutura social, dá-se atenção aos aspectos formais dos fenômenos sociais. As pesquisas estruturais não esperam que as ciências mais avançadas possam fornecer modelos de métodos. Na tentativa de entender o que é a estrutura social e que estudos lhe dizem respeito Krober diz que a noção de estrutura é dada por certo modismo, isso leva o termo a ser usado para definir as mais variadas coisas. As afirmações desse autor colocam em dúvida o uso de estrutura em antropologia. Assim uma definição do termo estrutura faz-se indispensável. O que se busca aqui é a estrutura da noção de estrutura e depois comparar esta definição provisória com a de outro.

Definição e problemas de método


A noção de estrutura social não se refere à realidade empírica, mas aos modelos construídos em conformidade com esta. Muitas vezes esta noção foi confundida com a noção de relações sociais. Estas últimas são as matérias prima empregada para a construção do modelo que tornará manifesta a estrutura social.

Para merecer o nome de estrutura, os modelos devem satisfazer a quatro condições.
1°) Ter caráter de sistema, a modificação em um deles deve modificarnos demais;
2°) Todo o modelo pertence a um grupo de transformações e o conjunto destas constituem um grupo de modelos;
3°) As propriedades anteriores permitem prever o modo como o modelo reagirá;
4°) O modelo deve ser construído de modo que seu funcionamento possa explicar todos os fatos observados.
a)       Observação e experimentação

Estes dois níveis devem ser sempre distintos. Experimentação dos modelos é o conjunto de processos que permitem saber como um modelo reage às modificações, fazer comparações entre modelos do mesmo tipo ou tipos diferentes. Na observação, todos os fatos devem ser observados e descritos sem permitir que nada altere sua natureza. Eles devem ser observados em si mesmo e em relação ao conjunto.

“...Do ponto de vista que é o nosso, permitem [as regras descritas no parágrafo a cima] compreender que não há contradição, mas intima correlação, entre o cuidado do detalhe concreto próprio da descrição etnográfica e a validade e a generalidade que reivindicamos para o modelo construído a partir dela” (p. 317)
b)       Consciência e inconsciente
Os modelos podem ser conscientes ou inconscientes. Segundo Boas prestam-se mais a analise estrutural os fenômenos que a sociedade não dispõe de um modelo consciente para interpretá-lo. Os modelos conscientes (normas) são os mais pobres, pois sua função é perpetuar as crenças e usos, mais que expor as causas.
Assim, o etnólogo pode Ter de construir um modelo para explicar fenômenos que não foram tratados pela sociedade que estuda, ou então, terá que trabalhar com modelos já construídos pela cultura considerada. Os modelos do segundo caso não são uma estrutura, mas um bom caminho para que o etnólogo chegue até ela. A tendenciosidade ou erros que eles possam conter é parte integrante do que se deve estudar.
c)       Estrutura e medida
Apesar de em alguns caso ser possível se estabelecer valores numéricos para algumas constantes, não há uma conexão necessária entre medida e estrutura.
d)       Modelos mecânicos e modelos estatísticos
Os modelos mecânicos são aqueles em que os elementos estão na escala de fenômenos. Nas leis de casamento das sociedades primitivas correspondem a modelos onde figuram os indivíduos efetivamente distribuídos em classe ou clãs. Já os modelos estatísticos são aqueles em que os elementos estão em uma escala diferente, exemplo os casamentos em nossa sociedade. Estes dependem de fatores mais gerais que vão desde o tamanho do grupo até fluidez social e quantidade de informação. Para se definir um modelo neste caso é preciso determinar constantes, médias e limiares. Há caso em que coexistem os dois tipos de modelo.
Tendo em vista que um mesmo gênero pode se prestar ao um estudo sob este dois pontos de vista, ou pela construção de um modelo mecânico ou por um modelo estatístico, torna-se necessário fazer um recorte do fenômeno para que ele possa ser usado na visão escolhida. Assim, a tarefa do Estruturalista consiste em:

“identificar e isolar os níveis de realidade que têm um valor estratégico do ponto de vista em que ele se coloca, ou, em outras palavras, que podem ser representados sob forma de modelos, qualquer que seja a natureza destes últimos” (p. 321)

Como as pesquisas estruturais têm a pretensão de construir modelos que sejam redutíveis as propriedades de outros modelos, que por sua vez dependem de níveis estratégicos diferentes (entendo que eles esteja falando das disciplinas ou diferentes áreas do conhecimento) espera-se derrubar as barreiras entre as disciplinas e instituir entre elas uma verdadeira colaboração. Um exemplo é a relação entre a história e a etnologia. A noção de tempo não é o centro do debate.
A etnografia e a história diferem da etnologia e da sociologia. As duas primeiras fazem a coleta de dados e organizam documentos, as outras estudam os modelos construídos a partir do material coletado pelas primeiras. A etnografia e a etnologia correspondem a duas etapas de uma mesma pesquisa que termina em modelos mecânicos, enquanto a história e disciplinas que são suas “auxiliares” terminam em modelos estatísticos.
As ciências sociais distinguem-se pelo emprego de duas categorias de tempo: o tempo mecânico, que é reversível e não-cumulativo, utilizado pela etnologia e o tempo estatístico utilizado pela história não é reversível e comporta uma orientação determinada ou a idéia de uma evolução.
Firth faz a distinção de que para a noção de estrutura social o tempo não desempenha nenhum papel, mas para o de organização social ele intervém. Boas e sua escola se ocuparam de modelos mecânicos e portanto fizeram bem em recusar a noção de evolução. Esta noção adquire sentido no terreno da história e da sociologia desde que seus elementos não sejam formulados em termos de uma tipologia culturalista
Sem o reconhecimento do dilema de Goldstein: estudar casos numerosos superficialmente ou limitar-se a análise profunda de um número limitado de casos, a analise estrutural seria vã. Atribui-se a esse autor a formulação do que se poderia chamar de ‘as regras do método estruturalista’, colocar as conclusões de um ponto de vista bem geral para que possam ser válidas além do domínio limitado onde foram produzidas. Grosso modo, seria partir da analise do específico para o geral ou universal.

Morfologia social ou estrutura de grupo
O termo grupo, nesta seção, designa a maneira como os fenômenos se agrupam entre si. Resulta do estudo das relações sociais.com a ajuda dos modelos. Espaço e tempo são dois sistemas de referência para pensar as relações sociais. Estas dimensões são concebidas de formas diferentes para cada sociedade humana. E ambos, a partir de suas manifestações objetivas, têm importância no estudo dos fenômenos sociais; as considerações históricas e geográficas não são descartadas analise estrutural.
Aproximamo-nos das questões matemáticas abordando aos estudos demográficos. Duas linhas de pesquisa oferecem interesse para o etnólogo. A primeira liga-se a sociologia urbana rank-sire que permite, para um conjunto determinado, estabelecer uma correlação entre o tamanho absoluto das cidades e a posição de cada uma num conjunto ordenado. A Segunda é composta de trabalhos de certos demógrafos franceses que consideram que as dimensões absolutas de um isolado podem ser calculadas segundo freqüência de casamento. Além disso, é necessário levar em consideração o comprimento dos ciclos matrimoniais, e fazer levantamento genealógico ou seja o demógrafo.
Outro problema é o alcance da validade de cultura. Tal como o isolado em demografia ela é fundamental em etnologia. Está se denominando por cultura todo um conjunto etnográfico que apresenta com relação a outras diferenças significativas. Sendo as constantes ligadas a tais afastamentos, essa noção pode corresponder a uma realidade objetiva apesar de permanecer em função do tipo de pesquisa considerada. Assim uma coleção de indivíduo depende de vários sistemas de cultura: continental, nacional, provincial, local, etc.
Estatística social, ou estrutura de comunicação
A sociedade é feita de indivíduos que se comunicam entre si. Não há uma ausência de comunicação absoluta. Próximo às fronteiras a comunicação enfraquece. Toda a sociedade a comunicação acontece em três níveis: comunicação de mulheres, comunicação de bens e serviços e comunicação de mensagens e poderia acrescentar que as regras de parentesco e de casamento definem um quarto tipo de comunicação.
Dessa maneira de ver a comunicação depreende três ordem de considerações:
1°Melhor definição das relações entre ciência econômica e estudos de estrutura social. Através de fatos econômicos a teoria etnológica descobre algumas das melhores regularidades e é nela que se encontra pela primeira vez modelos mecânicos do tipo utilizado pela etnologia e pela lógica;
2° A associação da antropologia social, ciência econômica e da lingüística para formar uma ciência da comunicação consistirá, sobretudo em regras. As quais são independentes da natureza dos parceiros cujo jogo eles comandam;
3° Chegasse-se, assim, a possibilidade de se introduzir nos estudos de parentescos e casamentos as concepções derivadas da teoria da comunicação. A Informação de um sistema de casamento é função do número de alternativas de que dispõe o observador para definir o status matrimonial de um indivíduo qualquer, com relação a um pretendente determinado.
Abre-se, a partir disso, a possibilidade de conversão dos modelos estatísticos em modelos mecânicos e inversamente. Ou seja, acaba-se com a distância que se colocava entre a etnologia e a demografia.
O esforço do que foi dito até aqui é no intuito de avaliar a contribuição de pesquisas matemáticas à etnologia, cujo beneficio consiste na oferta de um conceito unificador – a noção de comunicação - que concilia em uma única disciplina pesquisas muito diferentes.
Abordo, agora, o problema de se a antropologia social está habilitada para utilizar estes instrumentos. A antropologia social tem se dedicado ao estudo do parentesco reconhecendo sua importância para o desenvolvimento desta ciência. Os fatos que dizem respeito “...ao parentesco e a o casamento manifestam, no mais alto grau, estes caracteres duráveis, sistemáticos e contínuos até na mudança, que dão ocasião à analise ” (p. 341). No entanto, o estudo do parentesco enfrenta o problema de que os dados disponíveis são pouco aprofundados e referem-se aos mais diferentes povos.
Ao se falar em parentesco o primeiro nome que se evoca é o de Radcliffe Brown. Ele tenta, partindo dos sistemas de parentescos formular concepções metodológicas que pudessem ser usadas por todo o etnólogo. Para o autor, este estudo deve ter os seguintes objetivos: busca por classificações sistemáticas, compreender traços de cada cultura e conseguir generalizações validas.
O conceito de estrutura de Radcliffe Brown aparece como intermediário entre a antropologia social e a biologia. Persistena convicção de que os laços biológicos são a origem e o modelo de todos os tipos de famílias. A noção defendida no trabalho por nós elaborado difere dele porque se pretende fazer uso da noção de estrutura para elevar os estudos de parentesco até a teoria de comunicação.
Da forma como Radcliffe-Brown entende a estrutura decorrem duas conseqüências: repugnância em distinguir claramente estrutura social e relações sociais;  associação de estrutura social e relação social a forma mais simples de relação, a que se dá entre duas pessoas. Essas relações diádicas se dariam em um numero indeterminado de repetições e que formariam uma cadeia que se estende indefinidademente pela adjunção de novas relações. Observador, analista e classificador incomparável, ele decepciona quando quer ser teórico. Radcliffe-Brown tende a confundir observação e experimentação
Murdock: sua contribuição para os estudos estruturais consiste na tentativa de rejuvenescer o método estatístico. Ele está prevenido com relação aos perigos que o método carrega: a validade da correlação depende da validade da divisão que se recorreu para se definir os fenômenos postos em correlação. Também, se empenhou em reconstruir a evolução histórica dos sistemas de parentesco. No entanto, ele não raciocina sobre sociedades reais, mas sobre abstrações. Isola a organização social de outros aspectos da cultura e os sistemas de parentesco da organização social. Depois, divide arbitrariamente a organização social em pedaços e fatias segundo princípios inspirados pelas categorias tradicionais da teoria etnológica. Sua construção histórica permanece ideológica. Murdock não distinguem suficientemente os modelos estatísticos dos modelos mecânicos.
A obra de Lowie consiste em um esforço para definir quais são os fatos. Ele, desde 1915, justificava os estudos de parentesco dizendo que a substância da vida social pode ser analisada de modo rigoroso em função da classificação de parentes e afins; derrubou a perspectiva estritamente histórica e definia a exogamia como um esquema institucional engendrando os mesmos efeitos em todo lugar em que está presente. Dentre tantas outras contribuições aos estudos do parentesco, cabe destacar sobre Lowie que sempre se preocupou em encarar as organizações sociais de um  duplo ponto de vista: regras institucionais de um lado e expressões medias de reações psicológicas individuais, de outro. Essas últimas sujeitas a contradizer as regras e as modificar.
Dinâmica social: estrutura de subordinação
Ordem dos elementos (indivíduos e grupos )na estrutura social
 para o autor dessas linhas o sistema de parentesco e as regras de casamento e filiação formam um conjunto coordenado cuja a função é assegurar a permanência do grupo social, entrecruzando, à maneira de um tecido, as relações consangüíneas e as fundadas na aliança” (p. 351).
O funcionamento da maquina que extrai mulheres de suas famílias consangüíneas para redistribuí-las em outros grupos constituindo outras famílias, na ausência de influência externa, conservaria um caráter estático. Como explicar as transformações diacrônicas da estrutura e ao mesmo tempo as razões de porque a estrutura social não se reduz a um sistema de parentesco.
1º) Deve-se perguntar quais são os fatos. Lowie precisou algumas categorias, entre elas, classes sociais, associações, Estado;
2º) Correlacionar fenômenos que dependem de nível já isolado (parentesco), e os do nível imediatamente superior. Daí decorre dois problemas: as estruturas de subordinação podem manifestar propriedades dinâmicas; e, de que maneira as estruturas de comunicação e de dominação reagem umas as outras. O primeiro é o da educação: em cada momento uma geração encontra-se em subordinação ou dominação com a que a precede. Existe também a correlação entre a estrutura de parentesco estática (terminologia) e as condutas (mais dinâmicas). Para Radcliffe-Brown cada terminologia corresponde a uma conduta diferenciada. Proponho (Levi-Strauss) uma relação dialética entre terminologia e atitude, isso resultaria em que as regras de conduta entre parentes seriam a tentativa de resolver contradições provenientes do sistema terminológico e das regras de aliança. O segundo problema diz respeito a sistemas de parentesco não regulado por aliança entre iguais. Diversas situações têm de ser analisadas, contudo tal problema é ainda bastante negligenciado.
3º) O terceiro método consistiria em um estudo de todos os tipos de estruturas concebíveis, resultante de relações de dependência e de dominação aparecidas ao acaso. A  estruturas sociais seriam transitivas e não cíclicas. O estudo de parentesco mostra a possibilidade de transformação de uma ordem transitiva e não cíclica em outra intransitiva e cíclica.
Ordem das ordens
A sociedade corresponde a diversos tipos de ordens. O sistema de parentesco oferece um meio de ordenar, a organização social outro, as estratificações sociais um terceiro. Tentativas de formular modelos gerais que abranjam todos os demais levam o etnólogo ao problema de saber até que ponto o modo de conceber uma sociedade, suas diversa estrutura de ordem e as relações que as unem correspondem à realidade. Até agora só se conseguiu abordar ordens “vividas”, ou seja, ordens possíveis de abordar do exterior.
Em forma de conclusão poderíamos dizer que a antropologia social é uma ciência muito jovem e é natural que procure construir modelos imitando os mais simples que lhe apresenta as ciências mais avançadas. Na busca desses modelos o antropólogo se encontra em uma posição intermediaria entre escolher os modelos mecânicos ou os estatísticos. “...estamos num terreno hibrido e equivoco; nossos fatos são muito mais complicados para serem abordados de uma maneira, e não o suficiente para que se possa aborda-los de outra” (p. 359).

O estado das pesquisas estruturais é o seguinte: teve-se êxito em isolar os fenômenos. Os fatos antropológicos estão suficientemente próximos aos outros fenômenos para que se possa oferecer um tratamento análogo ao dado a esses últimos. Por outro lado, nossos dados são muito variáveis e de pouca intensidade o que dificulta um conhecimento mais profundo e dedicado. Comportamos-nos como botânicos colhendo ao acaso as mais variadas amostras.

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