quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Diálogo com Marshall Sahlins


Diálogo com Sahlins

“O que os antropólogos chamam de estrutura – as relações relações simbólicas de ordem cultural – é um objeto histórico” (Sahlins, 1987)

"A História é ordenada culturalmente de diferentes modos nas diversas sociedades, (...) esquemas culturais são ordenados historicamente porque, em maior ou menor grau, os significados são reavaliados quando realizados na prática. (...) a cultura é historicamente reproduzida na ação." (Sahlins, 1987. Introdução) Então, se a cultura é historicamente reproduzida na ação, ela é também alterada historicamente na ação. E aquilo que se vê (estrutura) é também um objeto histórico.

A cultura gaúcha, compreendendo o gaúcho como um tipo social humano, nasce com o povoamento do sul da América pelo homem branco descendente de europeus. O mito gaúcho, ao qual me refiro, e que produz representações do passado, no presente, existiu dentro de um tempo determinado. Sua constituição se deu desde meados do século XVII, com a colonização branca, até metade do século XX com a modernização agrária sul-brasileira, promovida pela industrialização e a urbanização, com todos os seus desdobramentos. Este intervalo de tempo que compreende pouco mais de três séculos sedimentou a cultura e a etnicidade do gaúcho. Sobre este passado se produziu uma identidade e sobre esta identidade se produz, hoje e desde então, representações sobre um passado mitificado, heroicizado, e idealizado num mito de origem. No entanto o gaúcho não desapareceu do seu território. Não é um ser extinto. Ele possui uma atualidade, um presente. E é sobre este presente que fundo minha investigação, pesquisando que diálogos realiza com aquele passado idealizado. Quê representações e universos simbólicos constrói quando reporta-se àquele passado. Apontar as sociabilidades criadas, no presente, a partir desta identidade.
Marshall Sahlins, em Ilhas de História (1987), traz contribuições importantes para uma proposta interdisciplinar entre a antropologia e a história, em que medida o conceito antropológico de cultura é importante para o estudo da história e vice-versa, ou seja, qual a importância da história para o estudo da cultura.
“o problema agora é de fazer explodir o conceito de história pela experiência antropológica da cultura. As consequências, mais uma vez, não são unilaterais; certamente uma experiência histórica fará explodir o conceito antropológico de cultura – incluindo a estrutura.”(Sahlins, 1987)

O autor discute a relação entre estrutura e evento. Não se analisa apenas o fato acontecido mas sim a maneira como ele aconteceu. Sendo assim a cultura se sobreporia à história. A cultura seria, assim, a chave metodológica para interpretar a história. A cultura é o uso do passado histórico como meio de produzir um presente (Sahlins, 1987. pp192) exatamente como se dá com a cultura gaúcha acionada. O evento passa para a historiografia filtrado pelos esquemas culturais. “...a cultura funciona como uma síntese de estabilidade e mudança, de passado e presente, de diacronia e sincronia.” (Sahlins, 1987. p180). E este adapta as mudanças em seu próprio benefício.
O mito gaúcho é repleto de heróis e guerras. São vultos e fatos revisitados na história e revistos no presente pela cultura tradicionalista. Significa dizer que em um primeiro momento, o evento é apreendido pelos “olhos da tradição”, já que é o esquema cultural enquanto referencial simbólico compartilhado que lhe dá inteligibilidade; a tradição é como uma lente a olhar para estpensar e agir como um tradicionalistaes fatos. Contudo, no desenrolar dos acontecimentos, ao interpretar o passado, os homens repensam suas categorias, submetendo-as a riscos empíricos, do cotidiano, a fim de dar conta da contingência do evento. “O evento é a interpretação do acontecimento, e interpretações variam.” (Sahlins, 1987). Desse modo, o sentido original das categorias culturais é remodelado pela introdução de novos significados, de novos símbolos, acarretando alterações na maneira de pensar e agir de toda a sociedade.
Entendo que quando olhamos para trás, através da narrativa histórica, o fazemos dentro de uma lógica cultural na qual estamos inseridos. Em contrapartida, a cultura vivida, revivida e ressignificada por nós e pelos grupos que estudamos está impregnada de história. Aos acontecimentos que iluminamos no tempo passado damos o nome de evento. Esse evento, através do tempo, é ressemantizado pelas trocas culturais, inerentes à própria dinâmica da cultura e pelas relações sociais das interações humanas, alterando as estruturas de percepções de tempo e espaço do tempo presente. Sepé Tiarajú, ao morrer, se é que um dia verdadeiramente viveu, era apenas um soldado guerreiro. O mito de Sepé (Brum, 2006), nasceu de uma sequência de eventos históricos que concorreram para sua elaboração. E as representações criadas no presente, a partir deste personagem histórico (heroicizado e mitificado), dão conta de estruturar, num tempo e espaço atuais as relações das pessoas com este fato histórico.

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