quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Diálogo com Lévi-Strauss



Diálogo com Lévi-Strauss

“Enquanto as maneiras de ser ou de agir de certos homens forem problemas para outros homens, haverá lugar para uma reflexão sobre estas diferenças, que, de forma sempre renovada, continuará a ser o domínio da antropologia.”(Levi-Strauss, 1962).

Para explicar a noção de estrutura em Levi-Strauss é necessário, primeiro, entender a noção de estrutura em Marx: os indivíduos, se relacionando no mundo concreto, não tem noção de todas as relações de poder que estão por trás de suas ações. Eles viveriam no mundo das ideologias, num mundo das aparências, no mundo das relações sociais que se pode enxergar. Partindo-se do mundo empírico, da experiência dada, não obtém-se uma análise suficiente dessas relações. É preciso criar sobre elas, modelos. Existem verdades aparentes, no entanto existem outras verdades que estão além da realidade aparente. Estas estão no nível da análise, da construção. Primeiramente se tem o mundo da aparência que é o nível do empírico, depois se vai para a criação dos modelos, que são construídos a partir desta realidade.
“O princípio fundamental é que a noção de estrutura social não se refere à realidade empírica, mas aos modelos construídos em conformidade com esta. (...) As relações sociais são a matéria prima empregada para a construção dos modelos que tornam manifesta a própria estrutura social. Em nenhum caso esta poderia, pois, ser reduzida ao conjunto das relações sociais, observáveis numa sociedade dada.(...) Enfim, o modelo deve ser construído de tal modo que seu funcionamento possa explicar todos os fatos observados.” (Levi-Strauss, 1985)

Lévi-Strauss divide aquilo que conhecemos hoje por antropologia, de forma geral, em três grandes áreas: etnografia, etnologia e antropologia. A etnografia seria o processo de coleta de dados, de construção de narrativas, a descrição do que o pesquisador vê e do que o pesquisador percebe. Quando o pesquisador começa a sair da descrição e passa para a construção dos modelos, já entrando em um primeiro nível de abstração, estaria o pesquisador, segundo Levi-Strauss no nível da etnologia. E quando buscamos o nível das grande s abstrações científicas estaríamos no nível da antropologia. Dessa forma quando Levi-Strauss, está falando em antropologia, ele se refere a esta grande ciência, em sua forma acabada.
A etnografia entendida como a ciência que descreve aquilo que é observado do mundo empírico, a etnologia entendida como aquela ciência que faz as primeiras análises, e a antropologia seria então a sistematização deste grande conjunto de conhecimento, da construção desta grande ciência da humanidade. Portanto é importante entender que quando Levi-Strauss fala de etnografia ele refere-se à descrição tão somente, sem uma construção de modelos, sem abstrações, apenas a observação empírica. Ao partir-se para a etnologia se estará construindo modelos, ao partir-se para o plano da antropologia se estará fazendo a grande ciência do homem, que compreende esta humanidade com H (maiúsculo), única e igual, diferente da humanidade, por exemplo, pensada pelos evolucionistas, que entendiam a humanidade numa linha de tempo unívoca e evolutiva, apontando estágios de desenvolvimento, tomando como referência a sociedade européia industrializada.“um povo primitivo não é um povo ultrapassado ou atrasado; num outro domínio pode demonstrar um espírito de invenção e realização que deixa muito aquém os êxitos dos civilizados.” (Levi-Strauss, 1985).
Dessa forma é possível supor que Levi-Strauss diminui a importância do conceito de cultura e de história. Em O pensamento selvagem (1970, p. 292) “o etnólogo respeita a história mas não lhe dá um valor privilegiado”. Ele afirma que o que está no nível do empírico, dos fatos, dos acontecimentos e dos eventos (e que são a matéria prima do etnógrafo), está no nível da história. Pelo menos de uma história cronológica e factual. Isso quer dizer que não estaria no nível dos modelos nem da estrutura. Portanto ela não seria o mais importante. A história seria apenas a repetição da estrutura. Pode-se alterar a cultura, cultura gaúcha, cultura ocidental, cultura aborígene, ou qualquer outra, quando se chegar num fim último, ela estará reproduzida numa determinada posição, que levará aos modelos e dos modelos às oposições. Então, segundo Levi-Strauss a história e a cultura como vemos no plano da materialidade, são apenas aparências, análises contingenciais, pois a estrutura, pelas oposições binárias, vai fazendo com que o sistema vá variando. No momento que entram novas variáveis, o sistema se readapta e a estrutura permanece. É o mesmo princípio epistemológico de Marx. As coisas mudam somente nas aparências, porém a estrutura (estrutura/superestrutura) permanece imutável.
“Todas as relações mutáveis e esclerosadas, com seu cotejo de representações e de concepções vetustas e veneráveis dissolvem-se; as recém-constituídas corrompem-se antes mesmo de tomarem consciência. Tudo o que era estável e sólido desmancha no ar; (...)” (Marx, 2001).

Com estas palavras Marx afirma que a verdadeira transformação só ocorreria com uma transformação na estrutura. Era preciso revolver todas as relações (que se dão no nível das inter-relações pessoais), para dissolver a estrutura, provocando uma mudança verdadeira, e não só nas aparências. Levi-Strauss afirma que quanto mais as coisas mudam, mais elas permanecem as mesmas. Ou seja, não são mudanças estruturais, mas apenas aparentes. Não alterando, assim, a estrutura.
No texto Raça e História Levi-Strauss discute sobre sociedades “quentes” e sociedades “frias”. Sociedades com história e sociedades sem história. Após o evolucionismo se criou a idéia de que existem sociedades progressivas, cumulativas e sociedades estacionárias. Para Levi-Strauss não importará a velocidade com que as mudanças acontecem, mas sim, o fato de que acontecem. Sempre haverá mudança, um novo costume, um novo instrumento será suficiente para comprovar esta mudança. A vida em sociedade é a entrada constante de elementos novos no sistema que vão reagrupando as relações, porém a estrutura não se altera. Lévi-Strauss debate a divisão entre história, ciências sociais e mitologia. Estudando, no seu caso, sociedades primitivas, divide as sociedades de “histórias quentes” e de “histórias frias”. História cumulativa e história fracionária. Ainda dentro de uma construção evolucionista se dizia que havia sociedades progressistas, que viveriam histórias quentes. Seriam agitadas, predispostas a movimentos e a mudanças. E haveriam sociedades frias, que seriam aquelas sociedades apáticas, com poucas mudanças.
Pode-se dizer que a antropologia estrutural é um meio de tentar entender a história das sociedades que não tem história, que é o caso das sociedades primitivas. O objetivo de Levi-Strauss era provar que a estrutura dos mitos era igual em qualquer parte da terra, qual fosse a sociedade. A estrutura mental da humanidade seria toda idêntica independente de raça, clima, religião. Com isto contrapôs mito à história. Separou as sociedade em “quentes” e “frias”. As sociedades frias seriam aquelas que se encontrariam “fora” da história e se orientariam pelo modo mítico de pensar, entendendo o mito como um mecanismo de supressão do tempo. Enquanto as sociedades quentes seriam aquelas que moveriam-se dentro da história, dando ênfase no progresso, em constante transformação tecnológica. No entanto, em nenhum dos casos poderia haver sociedade estacionária. De alguma forma, algo novo sempre está acontecendo. Um encontro entre caçadores, um nome de uma nova planta, uma nova palavra que o grupo produza em seu vocabulário num período de longo alcance, será indicativo de que esta sociedade sofreu mudanças. Tendemos a entender sociedade estacionária do ponto de vista ocidental, sobretudo após a revolução industrial, que provocou grandes mudanças, em um curto período de tempo, a história servindo como uma máquina registradora destes acontecimentos.
“Poder-se-ia, sem dúvida, dizer que as sociedades humanas utilizaram desigualmente um tempo passado que, para algumas, teria sido, mesmo, tempo perdido; que umas apertavam o passo, enquanto outras gazeteavam pelo caminho. Chegar-se-ia, assim, a distinguir entre duas espécies de história: uma história progressiva,aquisitiva, que acumula os achados e invenções para construir grandes civilizações, e uma outra história, talvez igualmente ativa e utilizando não melhor talento, mas à qual faltaria o dom sintético, que é privilégio da primeira. Cada inovação, ao invés de vir juntar-se às inovações anteriores, orientadas no mesmo sentido, se dissolveria numa espécie de fluxo ondulante, que não chegaria nunca a se afastar duravelmente da direção primitiva.” (Levi-Strauss, 1978).

O que é importante guardar de Levi-Strauss, é que ele nos fornece um grande modelo de observação da realidade. Para tanto se parte da observação empírica. Parte-se do indutivo, da observação do mundo real. Só torna-se dedutivo no terceiro momento, quando constata que a humanidade é uma só. Mas a análise parte do particular. Parte da empiria e chega-se aos modelos. Dos modelos, variando de acordo com a complexidade da sociedade, chega-se até a estrutura. A estrutura é inconsciente. Ela corresponde àquilo que não pode ser observado, mas apreendido pela interpretação científica. Pode-se dizer que ela seja uma elaboração teórica capaz de dar sentido aos dados empíricos de uma certa realidade. A estrutura permite aos homens classificar o mundo. A diferença entre Levi-Strauss e Durkheim quanto a classificação do mundo é que em Durkheim ela se dá do todo para a parte, do social para o indivíduo, em Levi-Strauss ela já está na parte, e no todo ela aparece no nível do manifesto, do empírico, do mundo da experiência, das relações sociais. Usando uma metáfora, em Durkheim, é dada de fora pra dentro e para Levi-Strauss, dada de dentro pra fora. Embora ambos concordem que a grande riqueza do homem é a sua aptidão por classificar.
Trago esta discussão para meu objeto, a identidade gaúcha acionada e suas tensões entre os mundos rural e urbano. Num mundo contemporâneo, com a evolução tecnológica, os meios de condução e de informação, a televisão, os telefones móveis, no meio rural, da vida no campo, onde por mais que estejam chegando, incessantemente, elementos novos há coisas que não mudam, pois são do domínio estrutural daquela comunidade. Uma maneira própria de falar e agir, as representações de mundo, a alimentação, um imaginário construído acerca da tradição dos seus antepassados, as construções típicas das fazendas, a maneira de encilhar os cavalos, domar, ferrar, são enfim, no meu modo de pensar, da constituição estrutural daquele grupo.
Para Levi-Strauss a história é uma sucessão de acontecimentos, portanto está no nível do empírico. A história só reproduz uma mesma estrutura imutável. Por mais que mudem as categorias, os conceitos, os significados e as representações, as oposições serão sempre as mesmas. A história se dá sempre no nível dos acontecimentos, ela é sempre uma reprodução da estrutura.

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