quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Diálogo com Anthony Giddens


A tradição é um padrão de comportamento ao qual os indivíduos estão pré dispostos a agir. A tradição se mantém através da repetição, da continuidade, do costume, da crença de um “desde sempre”, por vezes imemorial e atemporal, porém lógico e verossímil, que age sobre os indivíduos, dando-lhes sentido e significado à sua história, seu passado e seu lugar no mundo, ou seja, situando-o em tempo e espaço.
A tradição é um paradigma, pressupõe continuidade, estabelece algo a ser seguido. É como acreditar que algo “sempre foi assim, então deve continuar sendo assim”. Para Anthony Giddens (2002), “muitas das coisas que consideramos tradicionais, alicerçadas na neblina dos tempos, não passam, na verdade, de produtos do último par de séculos, e por vezes são ainda mais recentes.” (p. 46). Para o autor, a palavra tradição origina-se no latim, do verbo "tradere" (traditio, traditionis) que significa trazer, entregar, transmitir e ensinar, “... ou dar qualquer coisa a guardar a outra pessoa.” (p. 47). Assim, pode-se entender o conceito de tradição como típico do mundo moderno, sendo produto de elaborações conscientes e inconscientes forjadas por sujeitos e por grupos, pressupondo sempre relações de poder. Dessa forma, transmite usos, costumes, crenças, maneiras, traços culturais, símbolos, idéias, histórias e memórias, que são transmitidas pelas pessoas por gerações através das interações sociais, das manifestações artísticas, e introjectadas por estes indivíduos e suas culturas como padrões ideais de ação e comportamento.
Um texto caricato que circula pela WEB, descreve de forma ilustrativa, um exemplo de como se pode notar a formação de um padrão de comportamento, que através da reprodução de um costume, se pode pensar em tradição:

Um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula, em cujo centro puseram uma escada e sobre ela, um cacho de bananas. Quando um macaco subia a escada para apanhar as bananas, os cientistas lançavam um jato de água fria nos que estavam no chão. Depois de certo tempo, quando um macaco ia subir a escada, os outros enchiam-no de pancada. Passado mais algum tempo, mais nenhum macaco subia a escada, apesar da tentação das bananas.
Então, os cientistas substituíram um dos cinco macacos. A primeira coisa que ele fez foi subir a escada, dela sendo rapidamente retirado pelos outros, que lhe bateram. Depois de algumas surras, o novo integrante do grupo não subia mais a escada. Um segundo foi substituído e o mesmo ocorreu, tendo primeiro substituto participado, com entusiasmo, na surra ao novato.
Um terceiro foi trocado, e repetiu-se o fato. Um quarto e, finalmente, o último dos veteranos foi substituído. Os cientistas ficaram então, com um grupo de cinco macacos que, mesmo nunca tendo tomado um banho frio, continuavam a bater naquele que tentasse chegar às bananas. Se fosse possível perguntar a algum deles por que batiam em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta seria:
“Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui...”


Giddens responde à pergunta feita ao final da fábula: “O que torna qualquer tradição diferente é o facto de que ela define uma espécie de verdade”. Todos os indivíduos da fábula tinham aquele comportamento como uma verdade estabelecida, irrefutável. Agiam de forma tradicional. E “para alguém que age de acordo com uma prática tradicional, as perguntas sobre a existência de alternativas não fazem sentido.” (2002, p. 49).
E é justamente buscando essa continuidade em relação ao passado, que surge o culto ao gauchismo, ao tipo social humano tradicional regional gaúcho, que é assunto que passo a tratar no próximo item. Estudar essas tradições, suas manifestações, pode ser bastante elucidativo para entender as interações humanas, e as relações dos indivíduos com o seu passado. Entendo que não se pode desvincular tradição e história. Mesmo as tradições inventadas, utilizam a história para se legitimar, justificar sua verossimilhança, validar suas ações, dar solidez às suas identidades, dar sentido à vida, “nenhum de nós terá uma razão digna para viver se não tiver uma causa por que valha a pena morrer.” (Giddens, 2002. p. 56).

GIDDENS, A. O mundo na era da globalização Capítulo 3. Lisboa: Editora Presença. 2002

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