Esse espaço é um laboratório de Teoria Social. Quanto a mim, sou antropólogo e professor na Universidade Federal do Pampa. Tenho graduação e mestrado em Ciências Sociais, licenciatura em Sociologia, especialização em História do Brasil, doutorado e pós doutorado pela UFSM.
Lá pelos idos de 1989/1990 eu era estudante do Ensino Médio em Porto Alegre e na tentativa de arranhar alguns acordes no violão que meu pai tinha deixado (me roubaram em 1997) tinha aulas com o Toneco da Costa. Apesar da competência do Professor Toneco era flagrante minha incapacidade....
Percebendo meu interesse pela música regional ele me convidou para assistir ao lançamento de um LP para o qual ele tinha produzido os arranjos, em que os poemas e payadas do Jayme Caetano Braun
eram musicados e interpretados pelo Nito Padilha
Sempre gostei muito daquele disco. Hoje procurando pelas músicas no youtube, não encontrei nada, então resolvi digitalizar e disponibilizar a duas que eu mais gosto.
ÚLTIMA CLAVADA
PRIMAVERAS
Ficam aqui as imagens do LP autografado (isso era a selfie da época....)
Letra de Nilo Bairros de Brum
Música de Dorotéu Fagundes
EU SEI QUE UM DIA HEI DE VOTAR ÀQUELE RIO
NA PRIMAVERA DAS PITANGAS E SABIÁS
PARA FISGAR AQUELE PEIXE QUE FUGIU
QUANDO A MAROMBA SE PARTIU
LEVANDO UM SONHO DE PIÁ
EU SEI QUE UM DIA VOLTAREI A MERGULHAR
NAS ÁGUAS CLARAS DO MEU DOCE IBICUÍ
E LÁ DO FUNDO VOU TRAZER PRA TE MOSTRAR
AQUELE BRILHO NO OLHAR
QUE SE APAGOU QUANDO PARTI
ANDEI SEGUINDO PLANOS
QUE LÁBIOS CIGANOS
FIZERAM PRA MIM
ANDEI COLHENDO ENGANOS
NO CAMINHO INSANO
DE UM ANDAR SEM FIM
AGORA QUERO RETORNAR AO PONTO DE ONDE PARTI
MAS TUAS ÁGUAS JÁ NÃO SÃO TÃO CLARAS NEM SOU MAIS GURI
In: Clave de Lua e outras letras, de Nilo Bairros de Brum, p. 199
Prefácio, de Jayme Guilherme Caetano Braun. In: TEIXEIRA, Gil Uchôa. Missões: Passado – Presente - Futuro. Porto Alegre: Talento Editorial Ltda, 1990. p. 45.
E no LP "Missões: passado, presente e futuro", de 1990
Esse ano a
Estação Primeira de Mangueira traz à Sapucaí uma oração. Seu samba-enredo é uma
forma de rezar e dançar ao mesmo tempo, junta o sagrado e o profano numa mesma
narrativa! Já no título do samba-enredo aparece um versículo bíblico: “A
Verdade Vos Fará Livre”. E a letra, que conta essa “verdade”, é como uma oração
que puxará a Escola no templo sagrado do samba, na festa profana do Carnaval.
Assim como as faces “cara” e “coroa” de uma moeda,
o sagrado e o profano são dois pólos de algo que não se pode separar. Embora
opostos e por vezes contraditórios, são indivisíveis, complementares. O
carnaval mostra muito bem isso, ele é a festa, o impuro, o profano; mas ele é
também o período anterior à “quaresma”, o tempo sagrado de purificação à Semana
Santa. Não pode existir um sem existir o outro.
No enredo, a
Estação Primeira é Nazaré, a terra sagrada, e seu Filho tem rosto negro, sangue
índio e corpo de mulher. É um moleque pelintra, menino pobre e maltrapilho,
nascido no Buraco Quente, um favelado, como seria Jesus se viesse ao mundo
hoje. Filho de uma das tantas jovens mães Marias e dos carpinteiros Josés,
desempregados ou precariados pelas
perversas relações de emprego, trabalho e garantias sociais.
Hoje,
estaria Ele a enxugar o suor de quem desce e sobe ladeira, encharcado de amor
que não encontra fronteira. Ouvindo o choro sincopado de quem é silenciado pelo
cara fardado. O encontraríamos nas fileiras contra a opressão e no olhar da
porta-bandeira pro seu pavilhão. Sofrido e martirizado estaria dependurado em
cordéis e corcovados e se perguntando: Mas será que todo povo entendeu o meu
recado? Novamente com o corpo cravejado pelos profetas da intolerância, seria
posto à Cruz, pois não sabem que esperança é luz que brilha mais que a
escuridão.
Senhor,
tenha piedade, olhai para a Terra, veja quanta maldade. Sua mensagem seria para
todas as periferias, minorias, explorados, trabalhadores. Não permitam que
pensem por vocês, ajam por vocês, decidam por vocês, não permitam que os
enganem. Descubram os olhos. Diria Ele: “Favela, pega a visão, não tem futuro
sem partilha nem Messias de arma na mão! Favela, pega a visão, eu faço fé na
minha gente que é semente do seu chão”.
Assim, a
Mangueira samba porque o samba é uma reza e se alguém por acaso despreza teme a
força que ele tem. Muitos não o compreenderão. Irão julgar profano, insano,
inventar mil pecados e restará saber de qual dos lados devemos ficar. Do
Moleque pelintra de Nazaré, que nasceu de peito aberto, de punho cerrado, que
fez da Cruz seu esplendor, guardamos o exemplo. O perdão, a compaixão, a
devoção e a vontade de partilhar o pão. Devemos pensar em tudo isso, que é
sagrado, mas como tudo tem dois lados, ficar do lado do samba também!
Enquanto
nas redes sociais e no dia a dia a sociedade se divide entre apoiadores e
opositores do Governo, coxinhas contra mortadelas, minions contra petralhas,
direita contra esquerda, há uma coisa que unifica a todas e todos. Esteja do
lado que estiver, uns mais outros menos, você vai tomar café da manhã, almoçar
e jantar, e todo alimento terá um mesmo tempero.
Nesse
2020, que começa efetivamente nessa semana após o carnaval, toda comida que
chegará à mesa dos brasileiros e brasileiras terá um sabor especial: o veneno!
Uma Portaria do Ministério da Agricultura, publicada há poucos dias, torna mais
fácil a liberação de vários produtos tóxicos que chegarão a nossa mesa. O texto
passará a valer a partir de 1º de abril, mas bobo mesmo é quem não tomar noção
de sua gravidade.
Os
que ganham dinheiro com essa liberação chamam os produtos de agroquímicos,
defensivos agrícolas; quem alerta para o seu perigo chama de pesticida,
agrotóxico ou simplesmente veneno. Independente do nome, eles estarão, mais do
que nunca, temperando os alimentos dos vermelhinhos e verde amarelos.
A
partir de agora, o Brasil passa a considerar apenas o “risco de vida” como
indicativo de toxicidade. Desconsidera quaisquer outros riscos, como ao meio
ambiente; ou à saúde humana, como irritações na pele, olhos, alterações
genéticas que podem causar câncer. Ninguém escapa. Veganos comerão veneno no
pimentão, no tomate, na batata, no feijão; onívoros comerão veneno na carne de
boi e frango alimentados de grãos e medicamentos intoxicados; crianças comem no
milho dos salgadinhos ou no trigo dos bolos e biscoitos, os adultos, na massa
da pizza, na cerveja, no vinho, no macarrão, enfim, em qualquer receita
nutritiva, saudável e envenenada.
Nunca
comemos tanto veneno! Desde o ano passado foram liberados 467 novas substâncias
sem uma avaliação mais criteriosa da Anvisa, da Pasta do meio ambiente, do
Ibama e da Secretaria de Defesa Agropecuária. E esse número em 2020 vai
aumentar muito. A justificativa para essas medidas é que tornam a agricultura
brasileira mais competitiva e ampliam a concorrência do mercado brasileiro. E é
sempre é bom lembrar que para o atual Governo a Nação está acima de tudo.
Assim,
esteja você compartilhando nas redes sociais manifestações contrárias ou
favoráveis a ele, você comerá muito veneno neste ano. A Portaria 43 do
Ministério da Agricultura possibilitará que esse novo ingrediente passe mais
ainda a fazer parte da mesa de todas e todos. Se coxinhas e mortadelas são
alimentos tão diferentes, em essência chegarão à mesa com um mesmo tempero:
sirva-se, o veneno está na mesa!