Jornal Semanário - Bento Gonçalves - jornalista Nicholas Lyra
1.
Na semana passada, tivemos uma ação em Bento
Gonçalves, em uma praça do Centro da cidade, que chamou a atenção. Na foto,
diversas pessoas aparecem com as mãos pra cima, sendo revistados pela Brigada
Militar, que alegou estar combatendo o tráfico de drogas, roubos a pedestres e
assaltos ao comércio. No entanto, nada foi localizado nas revistas, e ninguém
foi preso por nenhum crime. A linha entre combate a esses crimes e o
cometimento de excessos, e até mesmo repressão da sociedade, é muito tênue?
Esse tipo de estratégia tem sido largamente utilizada pelo
comando da Brigada. São feitas ações em locais de movimentado passeio público
no sentido de impactar a opinião pública sobre ações preventivas da polícia. Se
forem executadas a partir de um anterior e estratégico plano de inteligência,
tendem a ter resultados muito satisfatórios; entretanto, da maneira como vêm
sendo conduzido pela polícia militar, apenas demonstra o tanto que a corporação
está enfraquecida, desesperadamente tentando “mostrar serviço” frente a uma
população que cobra ações mais efetivas da polícia.
2.
Essas ações não acabam sendo mais para causar
uma sensação de segurança na população, quando na verdade os problemas reais de
segurança pública não estão sendo combatidos?
Concordo com a afirmação do
início da pergunta. É uma tentativa de causar na opinião pública apenas uma
sensação de segurança, mas não uma segurança efetiva. A pasta da segurança
pública é de altíssimo orçamento e não está entre as prioridades do atual
Governo. Investir em inteligência, incrementar planos de carreira, qualificar
salários e treinamento, adquirir equipamentos (armamentos e de proteção)
modernos e em condições efetivas de uso são de altíssimo custo. Essas seriam
estratégias reais de qualificação da corporação e da segurança pública; porém,
não está entre os interesses políticos do atual Governo, muito mais
compromissado com interesses privados de sucatear e lucrar com o empobrecimento
do setor público.
3.
As forças de segurança acabam, de certa maneira,
atuando como uma espécie de instrumento de repressão do Estado, como que
“institucionalizando” a violência?
As forças de segurança, em
especial as militarizadas, são formas tradicionais de repressão política. São
institucionalmente constituídas para tratar como caso de “polícia” o que na
verdade são casos de “política”. Enredados em formas rançosas de disciplinas
toscas, aplicam suas forças punitivas sobre gente comum; sobre manifestantes,
grupos sindicalizados que lutam pela garantia de direitos sociais para toda a
população. É muito triste assistir brigadianos defendendo um governo que
parcela salários e descumpre a constituição, reduz direitos sociais e entrega o
patrimônio público ao setor privado. Brigadianos e professores não estão de
lados opostos, como aparece nos protestos; mas compartilham as mesmas
dificuldades, o mesmo plano de saúde, o mesmo parcelamento dos seus salários.
4.
Quais os grupos são historicamente mais prejudicados
por isso?
Os grupos mais enfraquecidos
são justamente aqueles que possuem as pastas mais onerosas: segurança e
educação. São orçamentos muito altos e categorias muito numerosas. Basta ver o
enfraquecimento sindical dessas categorias. Estão despolitizados,
desmobilizados, não conduzem a um efetivo enfrentamento político. Este governo
penaliza mais severamente o Executivo, pois sabe muito bem o custo político de
se indispor com o Judiciário e com o Legislativo. Categorias historicamente
enfraquecidas e desarticuladas (professores, policiais civis, brigadianos) são
os que já vem mais de perto sentindo os achaques da caneta de um Governador sem
compromissos com suas pautas.
5.
Existem teóricos que afirmam que as formas e a
cultura de repressão utilizadas pelas Polícias Militares, especialmente em
países latino-americanos, ainda seriam heranças das ditaduras militares vividas
nos continentes. O senhor concorda com essa afirmação?
De certa forma sim. Os países
que nunca foram colônia ou livraram-se do imperialismo pelas próprias forças
tendem a ver a militarização como uma forma de civismo público, de soberania
nacional; seus corpos militares significam uma defesa da população civil, do
patrimônio público, daquilo que pertence a toda população. Já entre países que
foram colônias e que saíram dessa condição para a de submissos aos impérios
industriais (América Central e Latina, África e parte da Ásia),a militarização
tem outra conotação. Historicamente as forças militares sempre foram usadas
para achacar a própria população civil. Proteger os governos sub imperiais das
forças econômicas dominantes. Vou dar dois exemplos: o exército brasileiro
nasceu pelas mãos imperiais que deu a Duque de Caxias a missão de demover a
Balaiada no Maranhão. Os “balaios” eram gente comum, civil, cansada de ser
explorada pelo governo imperial. Hoje, um bandido, assassino, facínora como
Caxias dá nome a escolas. É como se judeus chamassem uma escola pública judia
de “Escola Hitler”. Outro exemplo é a nossa própria Brigada Militar. Ela nasceu
das forças governamentais interessadas em amassar militarmente as forças
Farroupilhas, gente comum, população civil, que lutava contra um governo
explorador. O mais inacreditável é que hoje, justamente os Piquetes das
Brigadas Militares que abrem os desfiles Farroupilhas dos municípios. Ou seja,
aqueles que abrem a celebração máxima da memória histórica farroupilha, são
justamente os que foram criados para combater e assassinar bravos heróis
farroupilhas. Dessa forma, em ex colônias e nações imperializadas (como as
ditaduras militares da América do Sul), as forças militares não formas de
defesa da soberania nacional, mas formas de opressão e achaques da própria
população civil.
6.
A desmilitarização das polícias talvez fosse um
caminho para diminuir esses excessos? É necessário um debate mais amplo sobre o
tema?
Sim, é necessário que o debate
seja aberto. Embora haja todos estes problemas decorrentes da forma
militarizada de constituir as forças policiais, a mesma militarização é ainda
uma forma de coesão e ordem de forças tão enfraquecidas. É preciso discutir
questões mais profundas, como formas de financiamento público para setores tão
importantes como a segurança, como é imperioso também discutir de forma pública
e aberta os direitos público e civil que os corpos militares têm de se
manifestar em uma democracia. Proibir um militar de fazer greve ainda é como
retroceder na história a tempos em que a greve nem era um direito
constitucional (1ª metade do século passado)
7.
Essas são as questões principais. Caso haja
algum outro comentário a ser feito sobre o assunto, e que não foi perguntado,
podes ficar a vontade para colocar. Mais uma vez, agradeço tua atenção e
disponibilidade, e aguardo retorno.
Agradeço a oportunidade, at.te,
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