Para transformar o mundo, interferir nele, mudar hábitos de
consumo, de convivência, criar um ambiente melhor para viver, é preciso antes
conhecê-lo. Mas como se faz isso? Ora, chamamos isso de Ciência! A ciência é a linguagem
pela qual a sociedade do nosso tempo expressa o conhecimento sobre o mundo à
nossa volta.
Em um dia desses, em uma aula, percebi duas alunas sentadas
lado a lado, mas que ao invés de interagirem ali mesmo, o fizeram por meio de
seus mobiles. Prescindiram de uma
comunicação direta, real, física e estabeleceram uma comunicação virtual.
Naquele instante ingressei numa viagem em busca dos caminhos que possibilitaram
aquela comunicação. Pensei em quantos processos existem por trás de uma simples
mensagem, ou de uma chamada, ou de uma curtida... para conectar um mobile a outro as duas jovens implicou em
uma ciranda de consumo que envolveu pelo menos sete marcas: Sansung, Nokia, Vivo,
Claro, Whatsapp, Facebook, Instagram. Um simples click significa um ato de
consumo que implica em uma ampla cadeia de relações sociais e econômicas que em
nossas ações mais e cotidianas e corriqueiras, sequer dimensionamos.
Outro exemplo: o Brasil exporta carne, grãos e seus
derivados. Apenas aparentemente. Ao fim e ao cabo exportamos água. Sim, água!
Quando exportamos 1kg de carne bovina estamos exportando 15 mil litros de água,
para 1 Kg de frango são 4 mil litros, para 1kg de arroz são 3 mil litros, para
1Kg de milho são mil litros. Ou seja, a água é a commoditie brasileira mais exportada, embora não apareça assim.
Conhecer estas relações, estas incontáveis conexões é sair
da impressão imediata que temos das coisas e de nossas ações quase compulsórias
e à primeira vista inocentes, e alcançar a essência do que vemos, somos, fazemos
e pensamos, compreendendo profundamente nossas motivações para agir, pensar e
sentir de determinadas formas.
Sair do nível imediato é alcançar a essência fundante e
profunda de nossa vida social. É a isso que chamamos de “conhecimento”.
Conhecer é ter a ciência, estar ciente da essência dos fenômenos, das infinitas
composições de nossas ações e dos eventos que compõem a nossa vida social.
É a isto que o antropólogo Roberto DaMatta chama de
“sobredeterminações”. Assim entendidos, os eventos humanos são sobre determinados,
no sentido de que não podemos isolar suas causas e motivações como fazem os
cientistas da natureza. O conhecimento para os cientistas da sociedade é ter
consciência das sobredeterminações. E sabê-las é a única forma de nos conduzirmos
no mundo de forma autônoma, de ser sujeito consciente do que pensamos e do que
fazemos. Mas isso, como se sabe, não é uma tarefa fácil.
É por essa razão que devemos saltar do imediatismo de
nossas ações e percepções, e procurar saber o que nos media e nos determina a
ser o que somos, a fazer o que fazemos, e pensar o que pensamos. Afinal, se
toda a aparência de alguma coisa ou de algum fenômeno, revelasse a essência do
que realmente é ou significa, todo conhecimento e toda ciência seria
desnecessária. Se até agora nos preocupamos em transformar o mundo, por ora
percebemos que, ao mesmo tempo, é preciso interpretá-lo, conhecê-lo. Mãos à obra! (publicado originalmente no Espaço Ideias - Diário de Santa Maria, 27 e 28 de fevereiro de 2016) (http://diariodesantamaria.clicrbs.com.br/rs/cultura-e-lazer/noticia/2016/02/compreender-para-transformar-4984499.html)