sábado, 30 de janeiro de 2016

O que (eu) posso fazer?

Observo frequentemente em conversas, debates, programas de tv, textos acadêmicos e jornalísticos, as pessoas se perguntando ou questionando os outros, sobre quais atitudes podem adotar como forma de enfrentar, ou mesmo superar este modelo violentamente consumista, sob o qual estamos inseridos. Uns propõe o veganismo ou o vegetarianismo, outros adotam modos de vida entendidos como sustentáveis, a exemplo dos freeganistas, eco-anarquistas, ou de todos aqueles que apenas rechaçam uma postura consumista, incorporando um estilo de vida mais alternativo.
São posturas extremamente válidas, no entanto é impossível pensar individualmente ou mesmo em grupos isolados uma receita para o enfrentamento destas questões. A dinâmica social capitalista possui caráter geral e coletivo. Desde o século 19 compreendemos o capital como uma relação social, e seu enfrentamento, portanto, também o deve ser. Não pode ser uma atitude subjetiva, mas uma ação objetiva.
Cada atitude de consumo implica uma relação social anterior e muito mais ampla do que sua simples aparência. O conceito de “água virtual” pode ser um bom exemplo disto. Produzir 1kg de carne bovina demanda 15 mil litros de água. Para 1kg de arroz são necessários 2,5 mil litros, e para uma calça jeans, mais 10 mil litros. Água que consumimos e não vemos. Ou seja, comer e vestir são atos políticos e não individuais e subjetivos. Em cada produto que usamos ou comemos, estão implicadas uma extensa rede de relações sociais sobre as quais nossas atitudes, pretensamente coerentes e conscientes, não possuem nenhuma ingerência. Não é portanto uma atitude apenas que reverterá todo processo.

Neste sentido, a pergunta que não pode ser feita é: o que eu posso fazer? Mas sim, o que nós, enquanto sociedade, podemos fazer? E o primeiro passo é ter clareza sobre o que nós não queremos. De forma nenhuma podemos admitir a exploração de uns seres humanos por outros. E de todos, uma exploração irresponsável do ambiente natural. Somente assim, de forma coletiva e social, é possível pensar no que cada um de nós pode fazer.

sábado, 23 de janeiro de 2016

Tempos bárbaros

Costumeiramente sou chamado de utópico pelos que comigo conversam. Amigos, alunos, professores, colegas, aqueles com quem compartilho minhas alegrias, angústias, revoltas, realizações, visões de mundo, me criticam por ter uma visão um tanto idealizada, de um mundo melhor. A todos respondo: não sou utópico, sou realista. Sonho com um mundo diferente, melhor do que este.
Estamos diante da sociedade mais bárbara de toda nossa civilização. Assitimos a uma aceleração do processo histórico nunca antes vivenciado. É o que conhecemos por sociedade do espetáculo: uma infinidade de sons, imagens, mensagens; um exagero de estímulos proporcionados pela hipercomunicação, especialmente pelo marketing comercial, pelos eletrônicos com toda sua parafernália de aplicativos. A superinformação que nos chega pelas diversas mídias, não nos permitem sua decodificação a tempo de compreendê-las. Como consequência, adoecemos fisica e mentalmente, nos deprimimos, nos medicamos, capitulamos diante de tamanha hiperatividade.
Utopia é acreditar na possibilidade deste mundo em que vivemos. Na verdade, é a distopia de uma sociedade de consumo, ancorada na perspectiva da competição, em vez do compartilhamento; da aparência, ao invés da essência; da possibilidade, ao invés da necessidade. Uma sociedade marcada pelo medo, ao invés da esperança; pela pressa, ao invés da temperança; e pela fluidez, ao invés da segurança. Vivemos a barbárie do capital, acreditando que não nos restam alternativas, de que a ela não nos restam saídas.

Contra estes tempos bárbaros, verdadeiramente distópicos, que criaram uma sociedade desarticulada e desconectada politicamente, o único remédio é a retomada de princípios históricos inegociáveis e irrevogáveis capazes de reorganizar as maneiras de viver coletivamente. É preciso trazer para o centro da questão social o direito à comunicação e à informação. São imperativas mídias mais democráticas e participativas, que não façam das vidas de todos nós um espetáculo bárbaro para o consumo, mas um teatro em todos se sintam protagonistas, e isto não é uma utopia.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

O DISCURSO DA TOLERÂNCIA

Há uma palavra que atualmente tem estado no centro dos debates, frente aos eventos que tem convulsionado a Europa. Se diz largamente que nossa sociedade tem que ser tolerante. Com isso coloca-se a tolerância como um valor positivo, que deva ser preservado, difundido e cultivado como enfrentamento e solução para as questões das diferenças culturais. É preciso lembrar que quem tolera, apenas aceita a presença do diferente, mesmo sem acolher suas peculiaridades, suas necessidades e suas visões de mundo.
Historicamente o valor da tolerância foi universalizado no século sétimo através de uma instituição islâmica especificamente criada para tratar de minorias judaicas e cristãs dentro do Islã. Quando Maomé institui o primeiro estado islâmico, depois dividido em reinos e impérios, já havia judeus e cristãos. Em relação a eles, os muçulmanos adotaram uma postura de tolerância, uma vez que os reconheciam como “povos do livro”. Eram portanto os árabes que aceitavam e protegiam estes povos que haviam se desviado da mensagem divina. Ali, ela significou um avanço.
Nos tempos de hoje, a tolerância representa um retrocesso, pois aparece revestida de uma outra conotação. É um discurso que justifica a exploração. Ela implica em aceitar o “outro”, porém o reconhecendo como diferente de mim. Permitindo sua presença, o incluindo, porém não o acolhendo em sua integralidade. É quase uma postura de piedade, de permissão, de complascência. Por isso, a “tolerância” é um princípio burguês típico de nosso capitalismo imperialista e espoliador. É um recurso discursivo que autoriza fechar as próprias fronteiras, depois de ter se conduzido por territórios alheios e os ter abandonado sem lhes pagar a conta.

O que não podemos mais é tolerar a violência do capital contra as soberanias culturais. Ao invés de de lutar pela piedade europeia que apenas promove a guerra entre o ocidente e o islamismo, as potências dominantes deveriam entender que o verdadeiro perigo está nas políticas empreendidas pelos seus governos no norte da África e no Oriente Médio. A emancipação não depende da tolerância, mas da superação deste modelo capitalista tão perverso em suas ações quanto em seus discursos.