TEOREMA DE COASE
Disciplina de Análise Econômica do Direito |
Professor Flavio Pires
Acadêmico: Guilherme Howes
O presente trabalho responde à seguinte proposta:
(...) apresentação de um artigo relativo ao Teorema de
Coase, onde o aluno deverá apresentar a parte histórica sobre o ilustre
professor, bem como sua tese relativa a tal teorema.
INTRODUÇÃO – BREVE NOTA BIOGRÁFICA
No final de 1910, no bairro de Willesden, região suburbana
de Londres nasce um menino de classe média baixa, filho de empregados do Royal
Mail, os serviços postais ingleses. Ao que consta em breves nota biográficas
(RODRIGUES JÚNIOR, 2013), o pequeno Ronald viveu ali uma infância relativamente
tranquila, apesar de seu país ter vivido um papel central na 1ª Grande Guerra. Mesmo
tendo deixado a escola aos 12 anos de idade seus dedicaram-se para que o filho
não tivesse o mesmo destino. Desde cedo inseriram o filho na vida escolarizada.
Mais tarde, os esforços para a formação do filho foram recompensados com uma
bolsa de estudos para o Kilburn Grammar School. O garoto não tardou a se
decidir sobre a vida universitária. Demoveu-se da História por não se julgar
suficientemente apto em latim e da Química devido às suas dificuldades com a
Matemática. Optou, então, pela Economia. Em 1929, coincidentemente mesmo ano da
quebra do bolsa de Nova Yorque, um marco para o liberalismo econômico, o jovem
Ronald ingressa na London School of Economics
(LSE) para cursar bacharelado em comércio.
Ali teve seu primeiro contato com o Direito, quando começou a estudar os casos das cortes inglesas e a ler revistas jurídicas. Isso o levou a pensar seriamente em seguir a carreira jurídica, o que provavelmente viria a ocorrer caso, durante os estudos na LSE, não tivesse sido transformado por uma uma palestra proferida por Arnold Plant, que o apresentou à economia, à obra de Adam Smith e à ideia da mão invisível do mercado (VALÊNCIO, 2016).
A partir disso, na sequência de seus estudos, aproximou-se
de Arnold Plant[1],
o que lhe possibilitou conseguir uma importante bolsa de estudos, a Sir
Ernest Cassel Travelling Scholarship, levando-o a estuda nos Estados Unidos
entre os anos 1931-1932 na Universidade de Chicago. Na Universidade americana
dirigiu seu foco para as intersecções entre o Direito, a Economia e a atividade
empresarial. Retornou a Londres ao final da bolsa de estudos e formou-se pela
LSE em 1932.
O início da carreira acadêmica formal se dá imediatamente
como professor No ano de 1932, Coase dá início a sua carreira acadêmica formal
como professor na Dundee School of Economics and Commerce, entre os anos
de 1932 a 1934; posteriormente, leciona na University of Liverpool,
entre os anos de 1934 a 1935. Em 1935, retorna para a London School of
Economics, sua “alma mater” (RODRIGUES JÚNIOR, 2013). O curto período
vivido nos Estados Unidos somados à meia década de atividade docente na
Inglaterra fizeram o jovem economista amadurecer algumas noções sobre a relação
entre a natureza jurídica das atividades econômicas. É nesse contexto que, em
1937, Coase publica seu primeiro texto influente.
Coase desembarcou nos Estados Unidos no auge da Grande Depressão [início dos anos 1930] e teve a oportunidade de aproveitar a ociosidade das pessoas e indagar sobre seus trabalhos, seus empregos e as razões pelas quais tomavam suas decisões. Como resultado destas investigações, de volta à Grã-Bretanha, escreveu o artigo "A Natureza da Firma” [em 1937] (VALÊNCIO, 2016).
Em 1939 começa a Segunda Grande Guerra e Coase torna-se
assessor do Gabinete de Guerra britânico trabalhando no Escritório Central de
Estatísticas. A Guerra finda em 1945, e o então primeiro-ministro Winston
Churchill sai derrotado na Eleições Gerais que vieram logo depois. A vitória é
de Clement Attlee, líder do partido trabalhista. Sem mais o cargo no governo,
Coase reassume suas funções docentes na LSE. Em 1948 Ronald Coase passa um
curto período nos EUA, mas retorna à Inglaterra onde conclui seu doutoramento
em 1951 nesta mesma Universidade.
O cenário pós guerra faz emergir em seu país no início dos
anos 1950, as bases do que ficou conhecido como welfare state, o estado
de bem estar social, constituído pela “ascensão do papel Estado como
empreendedor nos setores postais, telegráficos, de fornecimento de água e
energia elétrica e de radiodifusão” (VALÊNCIO, 2016). Embora a LSE tenha
oferecido a Coase a cátedra de Ciência Econômica, deixada por Friederich von
Hayek em 1950, ele julga que “vários princípios socialistas estão sendo
inseridos na economia britânica” (idem) e decide então emigrar para os Estados
Unidos da América.
Nos Estados Unidos, praticamente reiniciou sua carreira, começando por dar aulas na inexpressiva Universidade de Buffalo, no estado de Nova York, onde permaneceu entre 1951 e 1959, dedicando seu tempo ao aprofundamento de suas pesquisas, motivo pelo qual rejeitou convites para cátedras em universidades de nome, tais como Harvard e Chicago. Ao final de seu período em Buffalo, foi pesquisador no Center for Advanced Studíes ín Behavíoral Scíences em Stanford, na Califórnia, uma instituição que, financiado pela Fundação Ford, buscava desenvolver pesquisas interdisciplinares sobre o comportamento humano com foco na Antropologia, na Economia, na Ciência Política, na Sociologia e na Psicologia, o que lhe deu base para a publicação de seu artigo "O Problema do Custo Social", no Journal of Law and Economícs, da prestigiada Universidade de Chicago (VALÊNCIO, 2016).
Assim, em 1960 o professor da Universidade da Virgínia (EUA), Ronald Harry Coase, aos 50 anos de idade, publicou o artigo que lhe catapultou ao prêmio Nobel em Ciências Econômicas na área de microeconomia (em 1991). O artigo “O problema do custo social” (COASE, 1960) foi paradigmático na área de legislação econômica e, por essa razão, uma inequívoca referência desde então. Importante ressalvar desde já que essa referência não se dá somente em função de seu alcance teórico, mas sobretudo pela sua aplicabilidade prática tanto no plano econômico quanto no plano jurídico, talvez mesmo na intersecção entre essas duas áreas do conhecimento.
Depois de uma longa, profícua e influente carreira como autor, professor e teórico, fundador mesmo do que hoje denomina-se de Análise Econômica do Direito, Coase faleceu aos 102 anos, na cidade de Chicago, em 2013, quando trabalhava em um livro sobre o poder econômico da China e do Vietnã. A influência do autor, no entanto, sobre os campos econômico e jurídico político seguem profundamente transcendem em muito a sua existência e sua produção teórica (G1, 2013).
Após essa breve nota biográfica, esse artigo tratará, em seu
desenvolvimento, mais detidamente sobre uma compreensão do consagrado Teorema
de Coase e na conclusão, uma breve ponderação sobre a aplicação desse paradigma
sobre o atual contexto jurídico político brasileiro, nominadamente, a Análise
Econômica do Direito, suas influências, possibilidades, limitações e
consequências.
DESENVOLVIMENTO – O
TEOREMA DE COASE
Em outubro de 1960, então professor de Economia na
Universidade da Virgínia, Ronald Coase publica o artigo “O problema do custo
social” (COASE, 1960) no periódico Journal of Law and Economics (EUA).
Nele, partiu de bases teóricas tanto econômica quanto jurídicas para refletir
sobre a questão dos direitos de propriedade. Em essência, o Teorema de Coase
propõe que os fatores externos, as chamadas externalidades[2], não devam ser
razões para que haja interferência estatal (dos governos em todas as suas
formas) nas transações em que, excetuadas essas externalidades, deveriam ser mediadas
privadamente. Nesses termos, a função da legislação, compreenda-se aqui os
governos, seria apenas, embora isso não seja pouco, a de assegurar que as
partes tenham garantidos os seus respectivos direitos. No limite, os direitos
seriam tratados como relações econômicas em que ambas as partes obtenham
benefícios, mutuamente vantajosos, nos termos do autor, “barganha mutuamente
satisfatória” (COASE, 1960. p. 04).
Procurando explicar de forma mais simples, pode-se afirmar
que para Coase, todo “problema”, todo litígio, toda “externalidade” possui uma
“natureza recíproca” (idem, p.01). Coase pressupõe que toda relação jurídica,
por mais particular que seja, insere-se num canário mais amplo, genericamente
compreendido como um “sistema de preços” (ibidem). Todo aumento de custos de um
lado implica em um aumento de custos em outro. Como em um sistema de êmbolos,
toda relação jurídica é, de fundo, uma relação econômica, não necessariamente
monetária. Observemos como o próprio autor apresenta a questão:
A abordagem tradicional tende a obscurecer a natureza da escolha que deve ser feita. A questão é comumente pensada na forma em que A inflige um dano em B e o que tem de ser decidido é: como devemos coibir A? Mas isso está errado. Estamos lidando com um problema de natureza recíproca. Para evitar o dano em B, dever-se-ia causar um dano em A. A verdadeira questão a ser respondida é: A deveria estar permitido a causar um dano em B ou deveria B estar permitido a causar um dano em A? O problema está em evitar o dano mais sério (COASE, 1960, p.01). Negritos meus.
Aufere-se
do trecho citado, que um dano de A sobre B causará um custo, um “custo social”,
um “dano”, como mencionado pelo autor no trecho citado. Já a contra ação de B
sobre A, cobrando, por exemplo indenização, gerará outro custo social, outro
“dano”. A questão, portanto, é saber qual a melhor forma de resolver a contenda
ente A e B. E, resumindo, a melhor forma será aquela que gerar o menor custo
social do sistema geral de preços. Pelas palavras do autor, aquela que
conseguir evitar um “dano mais sério”.
Importante
aqui, retornar à questão das externalidades, já mencionadas anteriormente, pois
elas são centrais para a inteligibilidade do Teorema de Coase. Em sentido
prático, as externalidades dizem respeito a tudo aquilo que o consumo privado
ou a produção de um bem ou serviço traz em termos de efeito para toda a
sociedade. A produção ou o consumo de um bem ou serviço poderá afetar a um
terceiro que não está diretamente associado a essa produção ou a esse consumo
desse bem ou serviço. As externalidades são valoradas pelas pessoas, mas não
são passíveis de transações mercantis. Elas podem ser positivas ou negativas,
isto é, o consumo ou a produção de um bem ou serviço pode trazer consequências
benéficas ou nocivas.
Uma
das bases da qual partiu Ronald Coase para construir o seu Teorema foi a obra
de Arthur Cecil Pigou. Foi ele, na década de 1920 quem primeiro teorizou sobre
essa questão. Segundo ele, as empresas perseguiam seus próprios interesses prescindindo
da preocupação com os custos externos das suas atividades econômicas. Por
outros termos, careciam as empresas de estímulos (econômicos financeiros) que
as compelissem a internalizar os custos sociais das suas atividades. Uma vez
que nem os produtores nem os consumidos dos bens e serviços levam em conta os
custos externos (as consequências a toda a sociedade) das suas ações, todo esse
conjunto de atividades não se dará dentro de um quadro de equilíbrio de
mercado.
Coase,
em seu artigo original, cita o estudo de Pigou:
O presente ensaio versa sobre as ações das firmas de negócios que geram efeitos danosos em outros. O exemplo padrão é aquele da fábrica cuja fumaça causa efeitos aos ocupantes de propriedade vizinhas. A análise econômica de uma situação como essa se dá, geralmente, nas bases da divergência entre o produto privado e o social da fábrica, na qual os economistas têm, largamente, seguido o tratamento dado por Pigou em The Economics of Welfare (COASE, 1960. p.01)
Na sequência, alerta que seu artigo vem no sentido contrário
do autor citado. Para Pigou, o correto seria tornar o proprietário da fábrica
responsável pelos danos causados. Para tanto, seria preciso a intervenção do
estado, por exemplo, por meio da tributação. A figura mais característica dessa
intervenção seria o chamado Imposto Pigouviano, cujo objetivo seria reduzir o
consumo dos bens e serviços que geram externalidades, custos sociais negativos,
e, por conseguinte, alcançar o almejado equilíbrio de mercado e, no limite, a
eficiência econômica. Os governos também podem agir impondo limites para a
geração de externalidades negativas (normas, cotas, regulações). Quando são
impostos maiores alíquotas para produtores de cigarros ou bebidas, por exemplo,
o que se tem, na prática, são tributos dessa matriz teórica.
Para Coase o caminho deveria ser o contrário, examinar o
sistema como um todo e não apenas cada situação em particular, como em um
êmbolo simples. O mais disruptivo da proposta de Coase, à diferença de toda
economia jurídica de seu tempo, foi pensar uma mudança paradigmática: Coase não
propunha mudanças NO sistema, mas mudança DE sistema, como se pode denotar na
conclusão do seu artigo:
Seria claramente desejável se as únicas ações realizadas fossem aquelas nas quais o ganho gerado compensasse a perda sofrida. Mas, ao se escolher entre arranjos sociais, em um contexto no qual decisões individuais são tomadas, nós temos de ter em mente que a mudança no sistema existente, a qual conduzirá ao aperfeiçoamento em algumas decisões, pode muito bem levar à pioria em outras. Além disso, tem-se que levar em conta os custos envolvidos para operar os vários arranjos sociais (se seria o trabalho de um mercado ou de um departamento de governo), bem como os custos envolvidos na mudança para um novo sistema. Ao se projetar e escolher entre arranjos sociais, devemos considerar o efeito total. Isso, acima de tudo, é a mudança de abordagem, para a qual estou advogando (COASE, 1960. p. 36)
Por fim, importa ainda ressalvar que para a justa
aplicabilidade da sua proposta teórica, no sentido da eficiência econômica, eram
necessárias algumas condições. Se estivermos em um sistema com regras claras e
bem definidas (inclusive contratos), com direitos de propriedade bem
delimitados, um tipo ideal de sistema econômico liberal, e nele emergir uma
externalidade negativa será muito mais conveniente e eficiente encontrar uma
alocação de recursos a partir de uma negociação, um acordo, entre as partes.
Como se vê, Coase avança sobre a proposta anterior de Pigou. Este, propunha que
as possíveis soluções viessem de fora, dos tributos, por exemplo; já Coase,
subverte completamente essa compreensão. A solução será sempre mais eficiente,
no sentido da alocação de recursos, se advinda de um acordo privado, ente as
próprias partes. Nesse sentido, pode afirmar que regras jurídicas e
governamentais não afetam (necessariamente) a eficiência na alocação das
externalidades, dos custos. E isso porque as partes sempre irão negociar as melhores
soluções (o chamado Ótimo de Pareto[3]), ressalvando que,
nesses casos, não haja custos de transação e que os direitos estejam claramente
definidos.
Ora, a proposta ou princípio teórico implícito no Teorema de
Ronald Coase soa como música aos ouvidos da Teoria Econômica do final dos 30
Anos Gloriosos, o ocaso do Walfare State municiado pelos princípios econômicos
keynesianos. Escrito há mais de três décadas, o Artigo de Coase é coroado pelo
Nobel de Economia, é a teoria econômica, que estabelece um novo paradigma
jurídico, muito conveniente para seu tempo: o neoliberalismo. É disso que
trataremos na conclusão do texto.
CONCLUSÃO – A TEORIA
REFLETE AS IDEIAS DE SEU TEMPO
Quando vem à luz o texto clássico de Coase, o artigo “O
problema do custo social” (COASE, 1960), o mundo era muito diferente do de
hoje. Era um mundo que ainda reorganizava-se dos horrores das duas grandes
Guerras. Nos países de capitalismo central vigiam políticas keynesianas que
lhes propiciava bem estar social e, com ele, uma barreira que continha, nos
planos político e econômico, algumas conquistas alcançadas pelos trabalhadores
do outro lado da Cortina de Ferro (Oliveira, 2009. p. 243). Foi também um tempo
no qual ocorreram os “processos de descolonização da África e da Ásia,
sobretudo entre as décadas de 1960 e 1970, [trazendo] novos países para o
cenário internacional” (SANTOS, 2017). Esse quadro em tela rebateu sobre a
Europa e os Estados Unidos (embora não somente, mas sobretudo) a necessidade de
responder teórica e juridicamente a essas mudanças geopolíticas.
Depois de três décadas de Walfare State, do chamado Estado
de Bem estar social nas economias econômicas mais ricas do Globo, esse cenário
geopolítico entra em crise. Dessa crise, surge o que denominamos hoje de
“neoliberalismo”. Os exemplos mais acabados destas economias são os governos da
Primeira Ministra da Grã-Bretanha, Margaret Thatcher (entre os anos 1979-1990);
do presidente estadunidense Ronald Reagan (entre os anos 1981-1989), e do
Chanceler alemão Helmut Kohl (entre os anos 1982-1990) – atravessando a
reunificação da Alemanha em outubro de 1990. Depois disso “a onda se espalharia
para toda a Europa e, mais tarde, para toda América Latina e para o mundo.
O neoliberalismo ganhava a dimensão de uma ideologia
hegemônica em substituição à hegemonia keynesiana anterior” (GENNARI, 2009.
p.323), a do Estado de bem estar social. Era um contexto geopolítico convulso
com a “Queda do Muro de Berlin” em 1989, simbolizando o desprestígio das
economias socialistas como alternativas políticas; e a ascensão de programas de
privatizações de empresas estatais – tanto na Europa quanto na América. A ingerência
destas fortes economias foi decisiva para as ações dos movimentos sociais,
sindicais e trabalhistas. Evidenciam-se graves problemas econômicos e estruturais
em países de economia pouco desenvolvida, restringem-se os investimentos das
finanças públicas; e em contrapartida, os governos estimulam investimentos do
setor privado, causando assim uma retração nas reformas sociais e uma perda no
peso do setor público. Convém deixar claro que o “neoliberalismo”, não é o
incremento de um Estado liberal, tal qual concebemos o liberalismo até 1929, mas
a ação de um tipo de Estado mínimo, do ponto de vista da atenção às agendas
sociais, porém militante e ativista no que se refere às relações com os mercados
e com o capital.
Não é coincidência que o Teorema de Coase tenha sido
concedido dois anos depois do Consenso de Washington. Era preciso uma teoria
jurídico econômica que expressasse os anseios de um sistema ávido por
conquistar espaço correndo o menor risco (econômico e jurídico) possível. Depois
de aproximadamente meio século de economia keynesiana o liberalismo ressurge em
todo seu esplendor: proteção da propriedade privada e o livre mercado com seu
ideário de autoregulação. As superpotências tem um acúmulo de capital sem
precedentes e buscam expandir suas fronteiras geográficas buscando lugares no
mundo para implantar plantas produtivas. É sobre isso que recomenda o Consenso
de Washington. Haveria uma corrida rumo à América, à Ásia e à África encampando
regiões produtivas de matérias primas e privatizações de empresas públicas
nacionais, que eram, nesses países, o braço empreendedor do estado. Era
preciso, ainda desregulamentar o mercado e eliminar de barreira fiscais. Por
outros termos, haveria um forte impacto nas economias locais com consequências
muito profundas sobre a vida da população. Dessa forte expansão produtiva
decorreria muitos impactos sobre os ecossistemas, afetando flora, fauna, meio
ambiente e, em decorrência disso, muito provavelmente, uma avalanche de ações
jurídicas requerendo direitos, indenizações, acordos judiciais, que inundariam
os sistemas judiciários desses países.
É nesse cenário que o texto de Coase, escrito trinta e um
anos antes recebe sua consagração com o Prêmio Nobel de Microeconomia. É a
resposta teórica aparentemente mais conveniente (dos mercados) para os
problemas materiais com que se defrontariam as economias neoliberais
emergentes. É a resposta certa, do ponto de vista das economias ricas, para os
problemas mais agudos das economias mais pobres. Problemas que as economias
mais pobres jamais se defrontariam se as economias mais ricas não lhes tivessem
chutado a escada (CHANG, 2004). O Consenso e o Teorema, paridos em um parto
gêmeo, são o dog whistle para os mercados e economias locais buscarem
soluções que prescindam do estado, do judiciário. Liberam essas instituições de
algo que da sua natureza compulsoriamente social e política. Em qualquer outro
contexto tal proposta soaria tão absurdo quanto de fato o é. Mas ali, não.
Soou, em verdade, como a melhor proposta. E isso por uma simples razão, porque
não foi uma proposta, foi uma imposição. Ideologia neoliberal apresentada,
imposta como solução barata, eficiente e moralmente justificada pela
sacralização do mercado.
É inequívoco concluir que, para Coase, e isso está claro em
seu Teorema, o mercado traz as melhores soluções para os problemas que ele
próprio cria. Coase usa o exemplo do caso judicial Sturges end Bridgman, em que
um fabricante de doces barulhento é vizinho de um médico silencioso, que tem
seu trabalho importunado por aquele, tal que ambos foram à justiça para
determinar quem deveria se mudar. Aqui iremos prescindir de cálculo
econométricos para explicar a solução do problema, apenas sinalizaremos que a
solução mais adequada será sempre aquela buscada entre as partes, pressupondo
aquelas condições apontadas anteriormente.
Transportando esse princípio econômico jurídico para as
relações de mercado típicas de uma economia neoliberal, a mensagem é clara:
socializar os custos, mas, obviamente, manter os lucros privados, afinal de
contas, para o mercado isto é algo inquestionável. Quando algum agente do
mercado é forçado pelos tentáculos do estado a indenizar outro agente a quem
causou dano, isso, segundo a doutrina jurídica neoliberal, causa danos a toda
sociedade, altera todo o sistema de preços, por isso pouco eficiente.
Eficiência, aqui, é eufemismo para prejuízo privado, para responsabilidade
fiscal, econômica, moral. Socializar os custos, algo concreto, em nome de um
benefício social mais amplo, algo abstrato, é uma estratégia econômico jurídica
tanto genial quanto perversa. O léxico do capital é nesse tipo de estratégia
narrativa que obnubila os verdadeiros custos sociais em nome da acumulação do
lucro privado.
Se em 1910 houvesse um curtume no subúrbio de Londres
liberando substâncias venenosas que intoxicassem as crianças do local, muitos
na Inglaterra teriam se preocupado em proteger seus habitantes dos crimes que
muitas atividades industriais causam no seu entorno. Mas nesse tempo, entre
1880 e 1914 os tentáculos do domínio colonial britânico estavam sobre a Índia
(incluindo o Paquistão e Bangladesh), a Birmânia, a Malásia, a Austrália e Nova
Zelândia e arquipélagos do Pacífico, sobre o território africano entre o Cairo
e o Cabo e ainda detinha concessões na China, no Canadá e em parte das
Caraíbas. Era lá que os resíduos de suas atividades industriais, da segunda
Revolução Industrial, intoxicavam impunemente seres humanos longe da metrópole.
Mas se Ronald Coase, aquele menino suburbano e pobre tivesse
sido uma vítima desse sistema que mais tarde ajudou a proteger talvez não
tivesse sobrevivido para criar a teoria que protegeu o sistema, edulcorando um
sistema sombrio que esconde a inequivalência ente direitos desrespeitados e sua
necessária responsabilização, entre o inequívoco direito de indenização por
danos sofridos e a obrigação de indenizar por parte de quem o causou,
independentemente do custo econômico que possa vir a acarretar. O pequeno
Ronald, se fosse uma criança da colônia, ao invés do império, teria sentido na
pele o fato de que o custo não é social, ele é pessoal, na prática a teoria é
sempre um pouco diferente. Sua teoria pressupõe compreender que o custo deve
ser como que diluído por toda sociedade, socializado. Sua teoria, seu Teorema,
é o corolário da economia jurídica neoliberal, onde o custo é social, mundano,
real; já o lucro, desse não se fala, pois é privado, intocado e sagrado.
BIBLIOGRAFIA
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Economia Institucional à Pesquisa em História Econômica. EST. ECON., SÃO PAULO,
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CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada: a
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G1. Ronald Coase, Nobel de Economia, morre
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OLIVEIRA, Roberson de. GENNARI, Adilson
Marques. História do Pensamento Econômico, Editora Saraiva, São Paulo: 2009.
RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. Coase foi um
dos pais da Análise Econômica do Direito. Conjur, setembro de 2013. Disponível
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SANTOS, João Júlio Gomes dos. SOCHACZEWSKI,
Monique. História global: um empreendimento intelectual em curso. Tempo
[online]. 2017, v. 23, n. 3 [Acessado 16 Setembro de 2022], pp. 483-502.
VALÊNCIO, Márcio Machado. A Firma, o Mercado
e o Direito. MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics,
vol. 4, núm. 2, pp. 579-582, 2016.
[1]
Arnold Plant (1898-1978), economista britânico, formado na London School of
Economics, lecionou na Universidade da Cidade do Cabo e, posteriormente, na
LSE. Sua obra clássica é "The Economic Theory concerning patents for
inventions", publicada em 1934.
[2]
Esse termo requer uma notação: embora praticamente todas as resenhas, análises,
interpretações do referido Teorema tratem nomeadamente dessa questão dessa
questão, esse termo não comparece no artigo original (COASE, 1960). A sua
utilização parece resultar da recepção ulterior que a Análise Econômica do
Direito fez da teoria original.
[3]
O ótimo de Pareto é um estado em que os recursos estão alocados da forma mais
eficiente possível. Também denomina-se Eficiência de Pareto o conceito
desenvolvido pelo italiano Vilfredo Pareto, que define um estado de alocação de
recursos em que é impossível realocá-los tal que a situação de qualquer
participante seja melhorada sem piorar a situação individual de outro
participante.