terça-feira, 12 de janeiro de 2021

A PANDEMIA DE 2020 E A NECESSIDADE DA TEORIA SOCIAL MARXIANA

 


Os momentos de crise e colapsos da humanidade são possibilidades de ressignificação de conceitos e de práticas, embates e discussões, avanços e rupturas na tentativa de atenuar as situações inoportunas do dia-a-dia, mas, sobretudo, para suprir a demanda e a necessidade da existência humana a partir das tomadas de decisões e do agir prático no mundo do coletivo social.

Diante da pandemia mundial de COVID-19 (vírus que causa infecções respiratórias e já vitimou dezenas de centenas de pessoas pelo mundo e, atualmente, se manifesta por solo/ar brasileiro, atestando, até então, mais de 203 mil mortes e mais de 8,1 milhões de casos confirmados[A1] ), as orientações dadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pelos cientistas/pesquisadores e profissionais da saúde, para conter a proliferação do vírus no mundo todo, foram uma boa higienização (das mãos com água, sabão e álcool em gel), uso de máscaras e a não incidência de aglomerações, ou seja, como a elaboração e a aplicação de vacinas ainda estão em processo e o desenvolvimento de planos de vacinação em escala nacional ainda está em “avaliação”, tendo previsão de início para “o dia D e na hora H”, [A2] como argumentou o próprio ministro da Saúde, Eduardo Pazzuelo (no Brasil, um plano nacional de vacinação está em vistas de realização e desenvolvimento por parte do Ministério da Saúde, mas nada concreto), a melhor recomendação, para sua não-disseminação e prevenção, é a reclusão ou isolamento social, permanecendo apenas em funcionamento os serviços essenciais como, entre outros, farmácias, mercados, hospitais, postos de saúde, postos de gasolina. Esse fato nos apresentou um dilema: salvar vidas ou a economia?

Tal impasse foi fortalecido no dia 24 de março durante o pronunciamento, em rede nacional, do Excelentíssimo Senhor Presidente da República que, contrariando as recomendações médicas e dos órgãos responsáveis pela produção da Pesquisa em Saúde no país e no mundo, solicitou a retomada das atividades produtivas e prestações de serviços pelas empresas, comércios, escolas, entre outros, mantendo em resguardo apenas as pessoas que se encontram no grupo de risco: idosos, diabéticos, hipertensos, doentes cardíacos e pessoas com problemas respiratórios, entre outros.

Esse cético e negacionista discurso presidencial, minimizando os efeitos da pandemia, inclusive chamando-a de “gripezinha” ou “resfriadinho”, foi proferido com o pretexto de “salvar” a economia do país que, conforme dados do IBGE, apresentou em 2019 um PIB de 1,1, significando o menor avanço dos últimos 3 anos e dando resquícios (para não dizer “intensificando”) de crise econômica nacional.

As consequências e repercussões desse discurso gerou uma polarização nacional. De um lado aqueles (principalmente empresários) que defendiam a retórica do presidente e simpatizavam com o encerramento do isolamento social e a retomada imediata das atividades de trabalho e produção; e, de outro, aqueles (trabalhadores da saúde, da educação, gestores municipais e estaduais, demais trabalhadores em geral) que consentiam com as recomendações científicas e dos profissionais da saúde, defendendo a permanência do isolamento social de forma temporária para amenizar as consequências da disseminação do vírus nas comunidades e nos leitos hospitalares.

Nesse interim, retomamos a questão: salvar vidas ou salvar a economia? Quais os limites dessa dicotomia, isto é, há vida sem economia e/ou há economia sem vida? De que economia se está tratando? Quantas vidas valem a “retomada econômica” ou “proteção econômica”? Aliás, retomada econômica para “quem”? No sentido de manifestar um posicionamento sobre essas indagações, cabe uma reflexão à luz da Teoria Marxiana.

Infelizmente há correntes teóricas que não mais reconhecem a relevância da obra Marxiana para uma pertinente análise de nossos dias. Também há aqueles que (ainda) compactuam com o fim da História e com o fim do Trabalho. Contrariamente, lançamos mão dos ensinamentos da Teoria Social Marxiana para pontuar e fundamentar nossos argumentos em torno da reflexão lançada acima.

Com ela aprendemos que o trabalho, na qualidade de atividade exclusivamente humana, tudo produz, isto é, na síntese homem/mulher-natureza há uma mediação da atividade do trabalho para a produção de bens materiais e espirituais, serviços, mercadorias e riquezas de todos os gêneros, inclusive a vida e o próprio gênero humano. Se o trabalho tudo produz, logo quem trabalha (o sujeito do trabalho ou trabalhador) é o responsável pela produção ao empreender trabalho vivo e concreto à lógica produtiva de seu tempo histórico.

Outro ensinamento é o que segue: o primeiro pressuposto para fazermos história é a existência e o primeiro ato histórico da humanidade foi a produção de meios para sua existência. Noutras palavras, para produzirmos nossa existência e escrevermos/vivermos nossa história (a história humana) é imprescindível o pressuposto da existência: precisamos existir e estar em condições de existir para produzirmos nossa vida, nossa história, nossa sociedade e, portanto, nossa base econômica.

Esses dois ensinamentos instrumentalizam e fomentam a reflexão acerca do embate: vida ou economia? Isto é, o trabalho juntamente com seu produtor/executor (trabalhador) e o pressuposto da existência e da produção dos meios para tal, são determinações fundamentais para pautarmos e delinearmos tal discussão.

Em suma, sabemos quem retornou ou protegeu a economia: os trabalhadores e trabalhadoras, que, em razão da propriedade privada dos meios de produção por parte do empresariado, muito pouco ou quase nada irão usufruir da riqueza produzida, apenas o mínimo necessário para (re)produzirem sua precária existência, ou melhor, sua sobrevivência e de seus pares. Em razão disso, o “apelo” a retomada da produção e da volta ao trabalho, dissimulado pela preocupação com a falta de alimentos e salários ou, até mesmo, com o rompimento dos contratos de trabalho (demissões em massa) e respaldado pelo discurso irresponsável e criminoso do presifake da república, é uma demanda da classe empresarial do país que está mais interessada em acumular e valorizar sua riqueza e seu capital do que apresentar melhores condições de vida aos trabalhadores. Aliado a isso temos a existência, a história, a vida dos trabalhadores que está em risco ao serem expostos ao vírus no caminho até o trabalho, em transportes lotados e em filas gigantescas, assim como no próprio local e nas relações de trabalho.

Ao priorizarem a produção e a economia em detrimento da vida humana, fica evidente, portanto, o menosprezo de classe e o quanto descartáveis são os trabalhadores e trabalhadoras. Esses, coagidos pelas ameaças de fim/rompimento de contrato e por rótulos opressores (vagabundos, esquerdistas, sustentados pelos pais, tirando férias...) proferidos por simpatizantes do “discurso da morte”, como ficou denominado o pronunciamento do presifake (dia 24/03), retornaram aos seus postos de trabalho com nenhuma garantia por parte do Estado ou das empresas (além do Auxílio Emergencial como empreitada maior da oposição) de sobrevivência e melhoria das condições de trabalho/vida. E, caso forem contaminados e chegarem a óbito, em razão dos hospitais não comportarem as demandas emergenciais de atendimento, serão substituídos por outros trabalhadores, que seguirão o movimento da máquina produtiva e “recuperarão” a economia, mantendo a ordem e o lucro do patrão.

Esses foram dois ensinamentos marxianos que sempre ressurgem nos momentos de crise, em especial no atual momento de pandemia pelo COVID-19. Aliás, eles nunca morreram, sempre estiveram vivos e permeando nossas vidas, mas muitos não percebem (por não terem acesso aos instrumentos e rudimentos desses conceitos e fundamentos) ou, por mau-caratismo, não reconhecem como determinações socio-históricas, objetivadas no modo de produzir a vida no capitalismo.

Portanto, tão importante quanto à economia é a vida, a existência humana e as condições para tal. A economia, que não se resume a dinheiro ou renda e sim às formas de extrair da natureza e das relações sociais as bases concretas de manutenção e reprodução da vida, só ocorre a partir da existência de sujeitos em pleno desenvolvimento e em plenas condições materiais para transformarem a natureza e a si próprio por meio da atividade vital humana e consciente que é o trabalho, produtor de todas as riquezas.

Por fim, à titulo de provocações finais, se a grande preocupação, seja do presifake, seja do empresariado, era “salvar a economia” e a economia só pode ser “salva”, produzida e valorizada pelo trabalho vivo (pela atividade do trabalhador), por que o Brasil, nas figuras institucionais do Ministério da Saúde e do próprio presifake, ainda não apresentou um plano real de vacinação em âmbito nacional para dar condições de existência e de agir aos trabalhadores e trabalhadoras? Isso seria “apenas” mais um traço da incompetência do governo? As evidências da materialidade do mundo produzem possíveis conclusões!


 [A1]Atualizar de acordo com a data de publicação.

 

 

Atualizado: 11/01/2021

 [A2]Essa é quentinha...

 

https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/vacinacao-comecara-no-dia-d-e-na-hora-h-diz-ministro-da-saude/

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