Por Gislei José Scapin
Ditadura
no Brasil: existiu? Nazismo: de esquerda ou de direita? Terra: plana ou
arredondada? Vacinas: boas ou ruins? Essas são algumas das emergentes
inquietações que se balizam no plano da Pós-Verdade. Tais questões me ‘saltam
aos olhos’, uma vez que teriam sido respondidas e, sobretudo, certificadas,
considerando o movimento de provisoriedade da Verdade histórica e objetiva.
Contudo,
o que pretendo destacar não é somente esse movimento de ceticismo para com os fatos
e a objetividade certificada historicamente pela humanidade, mas refletir,
leia-se provocar, sobre as atuais formas de manipulação da Verdade e seus meios
de divulgação, e, sobretudo, como isso afeta os processos educativos da
sociedade. Para tanto, penso ser necessário elencar algumas questões: em tempos
atuais, que/qual Verdade estamos construindo? Em que/qual Verdade estamos
acreditando? Que/qual Verdade estamos socializando e/ou compartilhando? E, por
fim, o que o movimento da Pós-Verdade representa para a Educação?
O termo Pós-Verdade, conforme o Oxford
Dictionaries, foi a palavra do ano em 2016, contendo a seguinte definição de
forma abreviada: circunstâncias em que os fatos objetivos são menos influentes
em formar a opinião pública do que os apelos à emoção e à crença pessoal,
considerando, também, a função assertiva de um interlocutor-chave. Nesse bojo,
compartilho do pensamento do jornalista britânico Matthew D’Ancona ao explicar
que Pós-Verdade não coincide com a mentira, pois essa ultima sempre existiu ao
longo da história humana. O fenômeno atual, por sua vez, trata da reação das
pessoas às formas de manipulação e deturpação da realidade e da verdade, isto
é, a indignação dá lugar à indiferença e à conivência. A primazia da emoção e
do sentimentalismo em detrimento da razão e dos fatos objetivos, como forma de
compreensão e explicação da realidade concreta, corrobora para o desmoronamento
do valor da Verdade e, por fim, do desprezo à própria ciência (elevem isso a um
contexto pandêmico: já imaginaram o estrago? Evidências não nos faltam).
Diante
disso, percebo que todo o movimento e o caminho de explicação do real, que foi
desenvolvido e percorrido pela humanidade superando as formas de entender o
mundo a partir do mito para, pois, expressar e consolidar o pensamento
racional, tenha caído por terra com o advento da Pós-Verdade. Expresso esse
entendimento, uma vez que na era da Pós-Verdade os fatos, além de serem
manipulados, são interpretados a partir das causas emocionais e sentimentais
dos indivíduos, cada um com sua forma de compreender e reproduzir a realidade,
cada um com sua subjetividade de mundo, que se multiplica a passos largos no
plano da intersubjetividade, isto é, das coletividades que compartilham das
mesmas sensações e emoções em prol do lhe convém. A título de exemplo, como
mencionei no início deste artigo, podemos citar o movimento antivacina no
Brasil, que, a partir de crenças, leiam-se teorias da conspiração, construídas
e disseminadas por determinado coletivo, divulgou um rol de críticas às
campanhas de vacinação, desprezando todo o avanço no campo da medicina. Segundo
dados do Ministério da Saúde, a aplicação de vacinas destinadas às crianças
menores de dois anos de idade apresentava uma queda desde 2011, resultado
disso: o Sarampo, em escala ampliada, deu as caras por aqui novamente. Imaginem
isso no atual momento histórico, pandêmico, em que vivemos, onde o próprio
Excelentíssimo Senhor “Presifake”, o inominado, está impulsionando uma campanha
antivacina (com enorme carga xenofóbica) e seu “gado”, evidentemente, estão
aderindo e fortalecendo tal ação. Vejam como a Pós-Verdade encontra seu espaço
na contemporaneidade, em especial regada pelos envios/disparos em massa via
rede social.
Centralizando
minha argumentação no plano da coletividade e da intersubjetividade, qual/quais
meios proporcionam a consolidação da era da Pós-Verdade, construindo uma
realidade pautada pela primazia da emoção e do sentimento? Para responder essa
questão, diferentemente dos adeptos da Pós-Verdade, não utilizarei minhas
emoções ou meus sentimentos, mas sim dados e fatos objetivos a partir do que
vem sendo estudado/pesquisado neste início de século. Adepto das narrativas da
Modernidade e acreditando nos saberes legitimados pela Racionalidade
Científica, ponderam que o terreno fértil para a Pós-Verdade advém das teses e
da conjuntura da Pós-Modernidade em consonância com a expansão da globalização
e da informática/internet, materializado pela era da informação (diferente de “conhecimento”)
e da sociedade do conhecimento (“conhecimento como força produtiva”, como se
isso fosse algo ‘novo’, né, Marx?), em escala mundial. Disseminada, reitero,
pelo uso desenfreado e (mau) intencionado das redes sociais, a Pós-Verdade
produz a sua narrativa e sua forma de consciência irracional, a-histórica e
anti-realista, penetrando o cérebro, nervos, ossos e músculos das pessoas via
emoções/sentimentos e pela força do medo e do ódio (medo de uma vacina e ódio a
um povo/cultura que supostamente teria criado um vírus em laboratório para
tomar o poder/controle do mundo, por exemplo).
Em
síntese, acredito que esses mecanismos possibilitam a divulgação e
compartilhamento de informações (manipuladas e deturpadas) em tempo record, bem
como atingindo o maior número de indivíduos e usuários possíveis, que, sem
filtro e despidos de instrumentos para analisar/verificar/constatar as
informações recebidas, tratam-na como Verdade (absoluta) conforme a
identificação dessas com seus sentimentos, suas emoções e suas crença, desconstruindo
e nivelando “por baixo” toda a produção de conhecimento e toda a realidade
objetiva, desgastando, por fim, a noção de Verdade.
Como
a Educação lida com isso? Quais implicações desse cenário para o processo
educativo? Em minha reflexão, não limito a Educação na esfera da escolarização,
tampouco me referindo ou limitando em etapas ou idade específica dos sujeitos.
Penso que seja necessário elucidar as implicações da Pós-Verdade no âmbito mais
geral da Educação, no qual entendo como o processo de socialização e
apropriação dos saberes, da cultura, de toda a produção humana que precisa ser
disponibilizada e generalizada a todos como forma de manter a reprodução do
gênero humano e construir um projeto histórico de sociedade.
Entretanto,
como realizar esse processo educativo considerando todo o contexto da era da
informação e da manipulação dos fatos e da Verdade? Como enfrentar a indústria
da desinformação e da Fake News, a qual atinge boa parte do público adulto,
gerando, dentre outras, implicações no campo da política e, até mesmo,
contribuindo para a eleição presidencial, vide EUA (2016) e Brasil (2018)? Que
desafios enfrentarão os educadores, em especial, os professores, sobretudo no
Brasil, país que, conforme os Editores da Faro Editorial, em material publicado
em 2018, deu um salto da mentalidade mitopoética para a mentalidade da
Pós-Verdade, onde as marcas definidoras da Modernidade e do Iluminismo nunca
fincaram raízes? Quais instrumentos e/ou mecanismos serão utilizados e/ou
estarão à disposição dos educadores (em todos os sentidos), em especial, mais
uma vez, dos professores, para superar a era da Pós-Verdade e formar sujeitos
críticos e capazes de lidar e reconhecer a distorção dos fatos e da realidade,
ao passo em que o (novo) Brasil de 2019/2020 – da nova política, do
patriotismo, do conservadorismo, do fundamentalismo religioso, do
anticomunismo, do “fim da mamata”, do enxugamento e das Reformas do Estado, entre
outros traços – ataca e “mata a mingua” a Educação e todos os serviços
públicos? Como (re)construir (se é que foi construído) o senso crítico em
indivíduos que produzem sua existência no cenário exposto, atuando com indiferença
e incredulidade demasia diante da realidade deturpada?
Por
fim, que/quais armas teremos, enquanto sujeitos sociais e históricos, para combater
a arrasadora de fatos e Verdades chamada Pós-Verdade? Ou melhor, o que
aconteceu com a Verdade?
Muito grato pela divulgação, Guilherme...
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