Há alguns
anos, em uma aula para alunos do curso de Arquitetura discutíamos como nós
brasileiros, em nossa organização da vida doméstica segregamos, pelo trabalho,
a forma como habitamos, convivemos e nos relacionamos em sociedade. O
jornalista Anselmo Goes reporta que para atender à demanda de brasileiros
mudando-se para Portugal as construtoras de lá vem fazendo adaptações nos
projetos, que inclui “quarto dos fundos”, “área de serviço” e até “tanque”,
imitando a forma segregadora que fazemos por aqui
Nessa
aula, veio à discussão a questão do “quarto de empregada”. Como vimos, não há
esse conceito em outros países, somos nós que o levamos para fora. Ele é uma
espécie de senzalinha moderna, mal ventilada, mal iluminada, geralmente entulhado
de bugigangas, em que enfurnamos pessoas. O quartinho de despejo é a
reminiscência do nosso passado escravocrata e excludente. É lá que a empregada
da casa se recolhe enquanto os patrões almoçam. Só depois esta mesma empregada,
às vezes com seu filho, pode comer. Não precisa haver, nesse cenário, nenhum
gesto explícito de preconceito de classe, nenhuma a palavra ofensiva, por vezes
racista ou misógina. O ato em si é um gesto pedagógico e ensina que aquela
mulher e seu filho ou filha não são seres como o mesmo estatuto social (e
humano) dos patrões. O gesto os faz crer, perversamente, que são seres de
segunda classe. Essa criança guardará para a vida o sentimento e a percepção de
que para ela, as coisas são depois, crescerá naturalizando a segregação,
contentando-se com as sobras.
Outra
questão que veio à discussão na aula foi a do elevador “de serviço”. O mesmo aluno
argumentou sobre sua necessidade e exemplificou: “imagina colocar gesso no
décimo andar e ter de compartilhar o mesmo elevador com outros moradores!” O
gesso faz muita sujeira, solta pó, sujaria o espaço e as roupas de todas e
todos. Concordei, mas não sem ressalvas, lembrando que mesmo depois do serviço
concluído, já limpos, os colocadores de gesso, continuavam utilizando o
elevador de serviço. Prova de que o que está sendo segregado não é a natureza
do trabalho, mas as pessoas que o realizam.
Podemos
confirmar essa conclusão lembrando daquela empregada do um outro apartamento
que desce já sem sua roupa de trabalho, banhada, mas mesmo assim desce pelo
mesmo elevador de serviço. Ah sim, talvez seja porque ela desça carregando a
sacolinha de lixo! E mais, se não o fizer, será reprendida pelo porteiro;
sempre muito limpo e vestido alinhadamente; mas que, curiosamente, só usa o
elevador social quando sobe ajudando a carregar sacolas. E ainda desce de volta
até a portaria pelo elevador de serviço, todo sujo de gesso!
Publicado no Jornal Diário de Santa Maria em 20 Fevereiro 2019https://diariosm.com.br/colunistas/sociedade/trabalho-e-segrega%C3%A7%C3%A3o-1.2125047
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