segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Resposta a Sabrina Fernandes - Tese Onze

 No mundo que a Senhora Soberba estudou (mestrado e doutorado) pela Carleton University, e graduação pela St. Thomas University, o que ela chama no seu Lattes de "sociologia ambiental" são questões preponderantes. Por aqui, na periferia do capital, as preocupações são bem outras! A fome, a miséria material da classe trabalhadora (precarização, terceirização e desemprego), por aqui, assistimos a morte cotidiana de pretos, pretas e pobres, violência urbana e policial, ataques profundos aos direitos humanos. 



É claro que a "questão ambiental" é sempre importante, mas temos aqui preocupações mais prementes e imediatas do que aquelas que se estudam nas universities gringas!
Aliás, na teoria da totalidade marxiana tudo cabe, por isso a Senhora Soberba encontra lastro em Marx e Engles para sustentar sua "sociologia ambiental". No entanto, é um grave equívoco teórico confundir a totalidade engelsiana marxiana com a tudologia sociológica que pensa dar conta da teoria dos velhos clássicos.
Quando se reveste a Teoria Social, que é feita aqui no terceiro mundo, de um figurino franco canadense e suas preocupações exógenas às nossas questões mais imediatas, não significa exatamente um erro estratégico, mas apenas um equívoco tático que confunde a luta da esquerda. 
Lá nas universities canadenses eles tem tempo pra pensar na "sociologia ambiental" porque não estão enfrentando um governo fascista, uma polícia racista, fome, miséria, desemprego e não são legatários de 400 anos de escravidão. 



Esse figurino francês que a Senhora Soberba veste, e a remissão teórica que faz aos velhos clássicos renanos escondem o cariz burguês e diversionista de sua tudologia sociológica. 
O ambiente é tudo, e ao mesmo tempo nada, uma preocupação teórica tão instigante quanto vazia dentro do contexto do materialismo histórico. A "natureza" é típica zona de conforto pra que quer se passar por teórico engajado, enquanto é materialmente incapaz de transcender os limites das orelhas de um livro escrito em uma língua que poucos brasileiros conseguem decodificar. 



Se o ecossocialismo é um tema interessante para quem tem o estômago cheio, pleno emprego, universidades ricas, pés quentinhos, futuro garantido; por aqui, onde cada dia é uma luta para se manter vivo, ele soa como um blábláblá retórico excelente para vender livros, mas insuficiente para enfrentar a realidade material. A questão ambiental no Brasil, não é causa da nossa crise, mas um de suas mais perversas consequências. Não precisamos de ecossocialistas (lá no Canadá eles se saem muito bem!), mas de socialistas que façam eco aos interesses materiais da classe trabalhadora: trabalho, comida, saúde, segurança. 
Quem erra na análise, erra na ação! Enquanto seguirmos dizendo amém para as teorias gringas e pensando que suas análises resolvem nossos problemas, continuaremos errando na ação e dando espaços para que mais confunde do que organiza a luta marxista. Se a Senhora Soberba entendesse a Tese 11, saberia que não precisamos que ninguém interprete o mundo pra nós, com suas categorias exógenas à nossa realidade, e só assim caberia a nós mesmos transformá-lo, por nossa conta!

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

O que são instituições políticas? | Café Bolchevique, com Mauro Iasi

Aos 28:07 do vídeo

O que as crenças cegas nas instituições obscurecem é que por trás dessa ordem democrática, salva do seu caráter tosco e pitoresco, está a perpetuação de uma ordem profundamente anti-democrática".

Procurei transcrever o que pude. Caso alguém possa servir-se disto, aqui está. Peço desculpas por eventuais erros

TAIS BALDON (Nos comentários do vídeo)

" A ilusão inquebrantável de que a democracia seria uma ordem tão perfeita para corrigir desvios, que permitiria pelo seu próprio jogo, que excrescências como Trump e Bolsonaro chegassem ao poder e que seria forte o suficiente para corrigir seus erros permitindo que num novo processo eleitoral isto fosse revertido. Esta ilusão precisa ser analisada de perto, pois é perigosa, pode ser uma armadilha por entregar a ela uma expectativa de mudança ou de resistência. Quem derrotou o golpe na Bolívia foi a resistência da população, em especial dos povos originários e a mudança nos EUA foi o "black lives matter", como catalizador de um expressivo movimento de massas . O fato de terem sido canalizadas para o processo eleitoral, aqui nos importa.



As instituições são a expressão das contradições do movimento do real, ou da práxis humana, que sempre se dá dentro de uma ordem institucional dada - ou como dizia Marx no 18 Brumário, os seres humanos fazem a história MAS não como querem e sim dentro de certas circunstâncias ora, estas circunstâncias em que os seres humanos se encontram, formam o que Sartre chama de um campo prático inerte cuja práxis choca , rompe com isto no momento da fusão da luta. Isto busca como se manter, pq nesta fusão do grupo depois da classe em luta, existem forças que tendem a dissociar o grupo e revertê-lo novamente àquela condição de serialidade , que então luta para se manter. Ao fazê-lo, ele se organiza, distribui tarefas, judicializa disputas, organiza a forma como as divergências podem ou não podem se expressar, escolhe seus bodes expiatórios e decide como julgá-los, eliminá-los ou mantê-los - tudo isto é parte do momento da ORGANIZAÇÃO. Qdo tudo isto dá certo e o grupo não se reverte à dissociação , ele se INSTITUI. Aquilo que chamamos de "Instituição" é um movimento do real num certo momento , onde ele institui a resistência supostamente de numa nova forma. "Supostamente" pq a ação da humanidade pode, ao quebrar o que existe antes, recriá-lo de uma nova forma ou pode, conforme o pensamento revolucionário, romper o existente e criar um NOVO. Mas nem sempre isto acontece pq o ser humano só pode fazer a história com os materiais que estejam a sua disposição, criar o futuro atuando no presente, que traz em si todos os elementos do passado cristalizados numa determinada ordem. Isto é o que chamamos instituição, mas é um momento da práxis. A ordem institucional não tem o poder de definir a forma como as coisas vão se dar mas são o campo onde as contradições se inscrevem , se manifestam, para garantir uma nova forma considerada adequada . O processo de alienação , segundo Sartre, se expressa na medida em que estas instituições se cristalizam. E ao se cristalizar, objetivar, se distanciam das pessoas que as criaram e de suas intenções, ou seja, se burocratizam - é a alienação, é o retorno hostil , o estranhamento, o retorno ao produtor como uma força que o controla ao invés de ser controlada por ele. Ptt, o momento do qual estamos falando das instituições não é o momento em que elas protegem aquele conteúdo transformador que está em movimento, mas é o momento em que estas instituições burocratizadas impedem que o novo surja, elas produzem uma nova serialidade e consolidam uma ordem, elas são na verdade o principal instrumento de um novo campo prático inerte que luta para não se alterar, não o movimento da práxis que leva à transformação, mas luta para impedir isto. E ao fim são varridas nos momentos mais agudos. A eleição é uma fraude, mesmo sem desvio de conduta. A fraude é a fraude da representação, do poder econômico ditando as regras de onde se dão as eleições. Isto já é fraudar aquilo que seria, na substância originária do que seriam as instituições, a "vontade popular". O risco da democracia é o da vontade das maiorias , da "tirania da maioria" segundo G Hamilton - isto seria uma defesa da ordem republicana SOBRE a democrática. Assim, a solução de compromisso do republicanismo federalista é um sistema eleitoral , com pesos e contrapesos, que evite a vitória de uma força popular, seja na constituição de um corpo legislativo, seja na indicação de um presidente da república. Aquilo que se chama de instituição democrática nos EUA , é um sistema para evitar a vitória da maioria (a tirania popular). O colégio eleitoral não é eleito pela população, eles não foram votados para isto. Eles serão indicados pelas casas legislativas dos estados e têm, em princípio, a regra tradicional de votar nos candidatos que ganharam em seus estados. Há registros de apenas aproximadamente 180 votos "infiéis" - ptt , muito raro. Ocorreram várias vezes questionamentos jurídicos na Suprema Corte, sobre a pertinência do sistema que permite que o presidente mais votado não seja eleito. .. A armadilha nisto é acreditar que há uma ordem ética nisto ou a expressão da vontade popular. O que há é uma garantia da permanência das instituições ... O cumprimento da regra é a evitação da ruptura. Não é a vitória das instituições democráticas qdo abaixo do Equador se utiliza o método para reverter um golpe (como na Bolívia agora) mas o fazer valer a regra através de um mecanismo importado de um espaço onde as contradições são outras. Ptt, a "garantia institucional " é a garantia da ordem estabelecida pelos meios da ordem jurídica e política que está dada. A esperança na força das instituições é a esperança do gradualismo , daquilo que acha que os momentos de recuo são meros momentos passageiros que podem ser corrigidos com retomadas da linha da história no caminho que as instâncias democráticas garantem. O que é muito perigoso. Elas resistem às forças de emancipação ."

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

O voto é uma ilusão da democracia

 Desde as últimas semanas vivemos o que muitos chamam de “a festa da democracia”. O nome é uma remissão ao direito garantido na Constituição brasileira na forma de um dever, o Artigo 14 da referida Carta de 1988. Ali diz que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos. É o único vestígio, em nossa sociedade, de que todos sejam iguais perante a Lei! Apenas uma ilusão.



O Diário da última segunda-feira noticiava que, dos 21 vereadores eleitos, 10 vão legislar pela primeira vez, e outros três já exerceram a vereança. Apenas quatro mulheres! Menos de 20%, menos de um quinto da representação é preenchido pelas mulheres.

Muita gente de pele clara e descendentes de famílias tradicionais e de caciques da política local ou apoiados pelos setores mais reacionários empresariado regional. As pretas da periferia, nem fazendo o dobro ou o triplo dos votos da elite branca e masculina, conseguem sua vaga na “casa do povo”. Uma verdadeira mistificação.

Dizem que a culpa é do quociente eleitoral, e, sim, é verdade. Ele é um modo, um dispositivo do poder, para o próprio poder constituído reproduzir a si próprio. Reconduzir reiteradamente ao poder a elite branca e masculina que governa a cidade desde sempre; mudando nomes, mas não sua lógica interna, alterando a forma, para manter intocado seu conteúdo.

Nesses termos, então, cumprimos, no último domingo, o ritual da repetição bienal do sufrágio. Rito essencialmente alinhado ao Espírito de Tancredi, o notável personagem obra "Il Gattopardo" (O Leopardo), obra-prima em forma de romance, postumamente publicado, em 1958, de autoria do italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957), ao dizer: “É preciso que se mude alguma coisa para que tudo permaneça exatamente como está”. Mudam-se alguns nomes, para que o poder continue intocado, nas mãos de quem a sempre pertenceu, mas legitimado pela ilusão de uma grande “festa”, para a qual, as Ritas e Alices da periferia, não tem permissão de acesso.

Publicado no Jornal Diário de Santa Maria em 18 de novembro de 2020

https://diariosm.com.br/colunistas/2.4254/a-ilus%C3%A3o-do-voto-1.2278095