Lembro
muito bem quando criei meu primeiro e-mail, nos meados dos anos 1990 e quando
uma década depois, em uma aula da graduação, o professor anunciava o Google
como um novíssimo site de busca. Naquele momento a informação parecia estar ao
alcance de todas e todos. Ainda menino, estudante de uma escola pública na
fronteira, quando precisávamos fazer trabalhos escolares nos reuníamos, via de
regra, na minha casa. Filho de professora, na estante da minha Madrinha tinha a
Barça, a enciclopédia que reunia todo conhecimento científico, tudo que por
ventura precisássemos para o trabalho da escola estava ali naquela coleção de
livros!
De
que maneira esses dois momentos se relacionam?
Ora,
nas últimas duas décadas a Internet nos apareceu como a democratização do
conhecimento e da informação. Se lá na fronteira, há três ou quatro décadas, eu
e meus colegas tivéssemos acesso à Web, todas e todos teríamos igualmente
acesso ao conhecimento e a informação e não precisaríamos mexer nos livros da
estante. Essa tendência, contudo, não foi exatamente o que aconteceu. Pelo
contrário, parece que hoje, na medida em se amplia o acesso, se amplia também
uma espécie de seleção, de filtro pelo qual passa a informação até chegar até
cada um de nós: e o nome disso é algoritmo. Ele é um artifício da inteligência
informacional que decide e determina antes que saibamos ou queiramos, o que
veremos, saberemos, quereremos ou odiaremos.
Um
caso exemplar disso está no filme “Privacidade Hackeada”. Redes sociais criam,
sem que percebamos, um teste de nossa personalidade com base em cinco
principais sentimentos: abertura a experiências, responsabilidade, extroversão,
agradabilidade e irritabilidade. Em conjunto, esses traços dividem as pessoas
em diferentes tipos de personalidade. O algoritmo é extremamente preciso. Com
dez ingênuas curtidas nossas a postagens de nossos amigos ele é capaz decifrar
o tipo de pessoas que somos, com mais probabilidade de acerto que nossos
colegas de aula ou de trabalho; com 150 curtidas sabe mais sobre nós do que
nossos pais; e com 300 despretensiosas curtidas compreende melhor nossa
personalidade que nossa ou nosso parceiro (quiçá nós mesmos!). Isso sem
considerar que nosso rastro digital é muito mais amplo do que apenas likes ou deslikes.
Assim,
toda e qualquer informação que nos chega, ou não chega, tem por base essa
triagem digital chamada algoritmo. Não vemos tudo, como a internet fazia
parecer no início, mas apenas aquilo que o nosso algoritmo selecionou para nós,
formando uma verdadeira bolha. Aquela promessa de mundo digital irrestrito e totalmente
acessível que sonhamos está amputado por um pequeno recorte que emoldura as
informações que a nossa própria preferência ou repugnância configurou.
Somos,
neste cenário, mais desinformados e menos conhecedores do que os leitores da
Barça dos anos 70 e 80. Vemos o mundo por uma fresta pensando que vemos o mundo
todo! Só nos aparece nas redes sociais aquilo que, sem que percebamos, está
configurado para nos aparecer. Os algoritmos dessas redes são como um buraco no
chão, quanto mais fundo mergulhamos nelas mais fechada é a visão que temos do
céu, embora sempre pensemos que aquele pequeno pedaço é o céu inteiro. A
promessa da sociedade do conhecimento se realizou de modo inverso, vivemos em
bolhas de uma ignorância artificial, principal característica da sociedade do
algoritmo.
Publicado no Jornal Diário de Santa Maria em 30/12/2019https://diariosm.com.br/colunistas/2.4254/sociedade-do-algoritmo-1.2192378